Incidência de depressão no campo aumenta e exige articulação dos municípios

Incidência de depressão no campo aumenta e exige articulação dos municípios

Doença era vista mais como urbana do que rural

Nereida Vergara

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Ao mesmo tempo em que vivem num espaço tido como idílico, sobretudo pelas poesias e canções de quem migrou para as cidades, os moradores do campo também sofrem com o isolamento, falta de perspectivas, imprevisibilidade decorrente da sujeição dos negócios aos caprichos do clima, endividamento e cansaço em razão de uma atividade muitas vezes iniciada na infância. Essas condições, muitas vezes, se tornam gatilhos para o desencadeamento de crises depressivas, algo que no imaginário popular era visto como tipicamente urbano.

Essa visão vem sendo modificada há bastante tempo por estudos médicos e acadêmicos. Um dos mais recentes, a dissertação de mestrado “Depressão de Moradores na Zona Rural de Uma Cidade de Porte Médio no Sul do Brasil”, defendida em 2016 pela pesquisadora Roberta Hirschmann na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), propõe que se deixe de olhar o campo como uma zona de total tranquilidade e se passe a encarar a depressão como uma doença que cresce na zona rural.

Em seus estudos, Roberta enfocou a região de Pelotas, terceiro maior centro populacional do Rio Grande do Sul, com 300 mil habitantes, dos quais 22 mil na zona rural. A pesquisa, que ouviu 1,5 mil pessoas, apontou que 35,6% dos entrevistados sofriam de sintomas depressivos, com predominância na faixa etária dos 40 aos 49 anos (29% dos casos), quando o indivíduo está com plena capacidade produtiva. Em segundo lugar, apareceu a faixa dos 50 aos 59 anos (22%), seguida pela dos jovens dos 18 aos 29 anos (19%) e dos adultos de 30 a 39 anos (18%). Acima dos 60 anos, a taxa cai para 13%, o que, segundo a pesquisadora, indica uma melhor adaptação dos idosos ao ritmo do campo e à vida local.

Embora os quadros de depressão ainda predominem entre a população urbana, mais sujeita a desequilíbrios trazidos por questões como o desemprego e a violência, nas comunidades rurais os casos aumentam e demandam atenção dos municípios. Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE apontava um contingente de 11,2 milhões de adultos acima de 18 anos deprimidos no país, correspondentes a 7,6% do total de brasileiros nesta faixa etária. A pesquisa, que não tem detalhamento regional, concluiu que 8% dos adultos moradores de áreas urbanas apresentavam sintomas depressivos, contra 5,6% de moradores na zona rural.

Ações Preventivas

“O trabalho que fizemos avaliou indivíduos residentes na área rural, independente do tipo de trabalho exercido na zona de residência, incluindo aqueles que realizavam alguma tarefa nas áreas de agricultura, pecuária e pesca”, explica a orientadora de Roberta, a professora Helen Gonçalves, do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia do Departamento de Medicina Social da UFpel. Helen destaca que em estudos acadêmicos anteriores, feitos na mesma região, o quociente de deprimidos urbanos e rurais praticamente empatava na casa dos 20% das populações consideradas, número que subiu na amostra de 2016 para mais de um terço do universo pesquisado.

“No estudo atual se mostrou a prevalência maior entre o morador rural. Isto chama a atenção para a necessidade de tomar medidas para conter este avanço, o que passa por deixar de ver o campo como um lugar idílico”, afirma. A professora assinala que as zonas rurais de muitas localidades do país não estão imunes aos mesmos problemas ou a problemas semelhantes aos da zona urbana, como a violência, a discriminação, o consumo excessivo de drogas e álcool e o desemprego.

Para a pesquisadora Roberta, as ações em saúde precisam ser fomentadas pelas políticas locais e nacionais, entre elas a criação de programas de atendimento e tratamento continuado direcionados aos moradores rurais, de acordo com suas particularidades.

“As ações curativas só podem ser minimizadas quando as preventivas são consideradas de fato. Não basta apenas rastrear casos e encaminhá-los aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) para serem medicados, o que ocorre na maioria das vezes e por múltiplas razões. É importante que haja uma política que trabalhe as razões pelas quais essas morbidades se tornaram frequentes também entre moradores da zona rural", recomenda Roberta.

No Rio Grande do Sul, municípios como Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e regiões adjacentes têm programas de atendimento, não apenas de casos de depressão, mas também de prevenção ao suicídio e enfrentamento de doenças mentais mais graves, como a esquizofrenia e a dependência química.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895