Parceria para engorda potencializa produção agrícola do Rio Grande do Sul

Parceria para engorda potencializa produção agrícola do Rio Grande do Sul

Terceirização da terminação do gado em larga escala chega ao Estado pelas mãos da MFG Agropecuária, empreendimento de Marcos Molina, CEO e fundador do Grupo Marfrig

Thaise Teixeira

publicidade

Os produtores gaúchos iniciarão o plantio da safra 2022/2023 com uma nova alternativa para rentabilizar o gado, que tradicionalmente precisa abrir espaço ao plantio das culturas de verão no Rio Grande do Sul.  Trata-se da utilização de estruturas e de serviços terceirizados, por um determinado período de tempo, para intensificar o ganho de peso diário dos animais, padronizar os lotes e obter melhor acabamento de carcaça na matéria-prima enviada ao frigorífico.

Apesar de bastante difundida em outras regiões do Brasil, principalmente nas maiores exportadoras de carne bovina, como Centro-Oeste e Sudeste, a estratégia ainda é pouco adotada no Estado. “Estamos vivendo um momento novo, uma intensificação da agricultura na Metade Sul. E justamente estamos buscando alternativas para não diminuirmos o tamanho da pecuária de corte no Estado, frente à atratividade da soja”, destaca o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

A alternativa, em grande escala, chega por meio da MFG Agropecuária, que opera nas instalações da Fazenda Jaguarerê, em Eldorado do Sul, a 17 quilômetros de Porto Alegre, desde junho. Com capacidade estática para alojar 5 mil bovinos, o empreendimento de Marcos Molina, fundador e CEO do Grupo Marfrig, conta com 37 baias, cada uma com estrutura para engordar de 80 a 120 animais. A estrutura também dispõe de uma fábrica própria para produzir 150 toneladas/dia de rações e um complexo curraleiro para manejar, diariamente, até 350 animais.

O gerente de Compra de Gado da MFG, Vanderlei Finger, explica que a decisão de a empresa ampliar negócios no Estado tem como base o diferencial da carne gaúcha em relação à produzida no resto do país. “O resultado do boi ´boludo` vai melhorar muito no sistema intensivo. Temos foco em obter premiações para os animais ´trace´, destinados ao mercado Europeu e à China, além de o consumo interno do Estado ser o maior do país”, pontua. O centro de terminação intensiva trabalhará com os pecuaristas mediante o pagamento em diárias, calculadas na entrada da boiada, ou por quilos de carcaça ganhos no caso de animais não castrados. O espaço também receberá fêmeas, eradas ou não, de até quatro dentes.

 O desafio dos custos

A prestação e a compra do serviço esbarram, no entanto, no alto custo da nutrição animal, composta principalmente por grãos e derivados. Com uma quebra de 56% na safra 2022 de soja e  de 34% na de milho, o criador gaúcho encontra, em 2022, mais dificuldade que em anos anteriores para fechar a conta da engorda. “Aqui no Estado, hoje, os custos das diárias não são factíveis, tanto que muitos confinadores acabaram abandonando a atividade”, relata o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Luís Felipe Barros, para quem o tipo de parceria é bem-vindo, especialmente nos momentos de apagões de pastagem, como no outono e na primavera.

A alimentação do gado confinado no MFG será baseada na agricultura gaúcha, garante Finger, mesmo que o Estado não seja autossustentável na produção de milho, principal ingrediente das dietas de terminação. “Pretendemos usar silagem de milho, milho moído, farelo de trigo, farelo de arroz, aveia, cevada, DDG (coproduto proveniente do processamento de milho na fabricação de etanol) e núcleo”, enumera.

Outro canal de abastecimento está na alimentação já adquirida e produzida para os bovinos das outras seis unidades do MFG. Duas estão localizadas em Mato Grosso, nos municípios de Tangará da Serra e de Campo Novo do Parecis, e têm capacidade estática para 170 mil animais ao ano. Outras duas foram alocadas em São Paulo, em Pereira Barreto e Porto Feliz, com capacidade para terminar 50 mil animais/ano. A agropecuária conta ainda com o confinamento em Goiás, no município de Mineiros, e em Terenos, no Mato Grosso do Sul, cada um capaz de engordar 50 mil cabeças ao ano. “O DDG, por enquanto, vamos trazer de outros estados, onde temos facilidade de obtenção”, relata Finger.

O presidente da Comissão de Relacionamento com o Mercado do Instituto Desenvolve Pecuária, Ivan Faria, relata que, no primeiro contato com a MFG, argumentou sobre a peculiaridade da pecuária gaúcha, baseada na conversão alimentar do gado britânico e europeu. “Diferentemente de outros estados, trabalhamos com animais, na grande maioria, com animais castrados e, quase na totalidade, taurinos”, explica. Esse seria exatamente o ponto de definição do custo das diárias, pois são animais que comem e bebem mais, mas apresentam grande diferença no desempenho e na qualidade do produto final. “Nosso produto tem outro sabor. Precisamos que essas empresas e os frigoríficos considerem a qualidade da nossa carne e tentem remunerar melhor nossas características positivas”,  argumenta.  

Vantagens

Apesar disso, a alternativa de engorda intensiva realizada em grande escala é atrativa ao negócio pecuário. Além de os boiteis conseguirem diluir a maior parte dos custos da última fase do ciclo pecuário, a que mais demanda ao cocho, oportunizam ao gestor rural um redesenho da atividade na propriedade. Ao terceirizar a terminação, o criador pode não só se dedicar ao cultivo de grãos como também ampliar a produtividade animal na cria e/ou na recria, principalmente os de pequeno e médio porte. “O confinamento, o semiconfinamento a pasto ou a suplementação a pasto são ferramentas para terminar o animal jovem, que é quem melhor remunera o preço de carcaça”, pontua o presidente da Comissão de Relacionamento com o Mercado do Instituto Desenvolve Pecuária, Ivan Faria.

Para Gedeão Pereira, que também é diretor de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o uso de estruturas terceirizadas para terminação vem ao encontro do cenário de escassez alimentar mundial e, de forma alguma, descaracteriza a produção de gado a pasto no Estado. “Já realizamos terminação de novilhos com grãos na Metade Norte e entregamos um produto de muita qualidade. É um procedimento que vem somar, acelerar a engorda e garantir oferta aos frigoríficos”, argumenta.

Outra vantagem está na possibilidade de regular o fornecimento de matéria-prima á indústria, que atualmente opera com grande capacidade ociosa no Estado.  A área arrendada pelo MFG localiza-se a 300 quilômetros da unidade do Marfrig de São Gabriel, a 350 km do abatedouro de Bagé e a 504 Km da filial de Alegrete, todas habilitadas a exportar carne in natura para a China e os Estados Unidos. Apesar de não limitar a prestação do serviço a pecuaristas parceiros do grupo, Finger não descarta o fornecimento de matéria-prima às unidades. “A gente vê que é um momento difícil, o rebanho gaúcho reduziu bastante nos últimos anos e perdeu muita área para as lavouras, especialmente para a soja”, admite o presidente do Sindicato da indústria de Carnes e Derivados no RS (Sicadergs), Ronei Lauxen. De acordo com ele, os boiteis podem também se configurar em outra alternativa de negócio aos criadores que enviam animais vivos para serem terminados em outros países. “Por que não fazer essa tentativa aqui?”, questiona.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895