Paridade de importação passa a balizar preços internos do trigo

Paridade de importação passa a balizar preços internos do trigo

Entrada de safra argentina no mercado deverá conter escalada de cotações do cereal, motivada por quebra de safra, afirma consultor

Patrícia Feiten

Chuvas excessivas trazidas pelo El Niño são apontadas como responsáveis pela quebra no trigo

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A queda já consolidada nas safras de trigo gaúcha e paranaense, em razão do excesso de chuvas, e a tendência de aumento das importações do produto alteraram a dinâmica de formação dos preços da commodity, segundo o analista Elcio Bento, da consultoria Safras & Mercado. O mercado, afirma, deixou de se balizar pelo conceito de paridade de exportação e, neste mês, passou a definir cotações com base na paridade de importação, que serve de referência para países com escassez de oferta.

O Rio Grande do Sul deverá colher 3,3 milhões de toneladas de trigo neste ano, uma queda de cerca de 50% na comparação com a safra passada. O consumo anual das indústrias moageiras é estimado em torno de 1,9 milhão de toneladas. Diferentemente do ano passado, quando o Estado exportou 2,4 milhões de toneladas do cereal, o novo ciclo tende a ser marcado por mais embarques no sentido inverso. “Metade desse trigo (da safra atual) é de baixa qualidade, certamente o Rio Grande do Sul vai precisar importar”, afirma Bento. Ele observa que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) vem realizando leilões de Prêmio para Escoamento de Produto (PEP) e Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro), para apoio ao escoamento de trigo, e essas operações deslocarão estoques de cereal gaúcho para o Nordeste, pressionando ainda mais o quadro de oferta.

Segundo o analista, os moinhos gaúchos deverão importar 350 mil toneladas de trigo na safra 2023/2024, frente a apenas 17 mil toneladas adquiridas na temporada anterior e 199 mil toneladas no ciclo 2021/2022. Os preços internos da commodity, afirma Bento, subiram em novembro para se ajustar à paridade de importação – se antes a referência para o cálculo eram as cotações praticadas por outros competidores no mercado internacional, como a Rússia, o que agora determina os valores no Brasil são os custos logísticos para trazer o cereal do exterior.

Na média de outubro, por exemplo, os preços indicados no interior do Estado estavam em R$ 1.050 por tonelada, segundo Bento. “Para chegar ao porto de Rio Grande ao mesmo preço que o russo estava saindo do Mar Negro, era necessário vender a R$ 1.021 por tonelada. Ou seja, as cotações domésticas estavam a apenas 2,8% da linha de paridade com o trigo russo”, destacou o analista em relatório. Atualmente, o trigo é cotado no interior em torno de R$ 1.250 a tonelada. “A paridade de exportação em relação ao cereal russo seria de R$ 945 por tonelada. O ‘spread’ (diferença) subiu para 32%”, compara Bento.

Ao fazer a conta da paridade de importação, utilizando como referência a compra de trigo argentino de safra nova, Bento explica que o produtor poderia vender a tonelada a R$ 1.295 para alcançar o preço do cereal importado. O valor indicado no mercado era 19% inferior. “Neste início da quarta semana de novembro, o preço de mercado (R$ 1.250/tonelada) era apenas 2% inferior à paridade com o trigo do principal fornecedor brasileiro no exterior”, diz o consultor.

Com base nesse cenário, Bento ainda vê espaço para novas altas do trigo, mas essa tendência é limitada pela entrada na nova safra argentina no mercado. “A partir de janeiro, começará a entrar bastante trigo argentino e esse trigo já chega ao Brasil com um preço parecido com os praticados hoje. O mercado se alinhou à realidade de preços internacionais e agora está consolidando o novo preço, mas não vejo espaço para grandes elevações no curto prazo”, avalia.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895