PEC do Trabalho Escravo tem nova etapa no Congresso

PEC do Trabalho Escravo tem nova etapa no Congresso

Governo brasileiro estabeleceu como prioridade de 2012 a aprovação do projeto

Cleidi Pereira / Correio do Povo

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Cento e vinte e quatro anos se passaram desde a assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. Teoricamente, porque, na prática, em pleno século XXI, a ferida ainda está aberta. Todos os anos, 4 mil trabalhadores são resgatados da condição análoga à de escravos, enquanto atuam, principalmente, em atividades relacionadas à agropecuária. Mas estima-se que o número de vítimas deste crime previsto no artigo 149 do Código Penal seja ainda maior, tendo em vista que os órgãos públicos de fiscalização operam apenas mediante denúncias.

Engana-se quem pensa que a prática ocorra em rincões do Centro-Oeste e Norte do país, onde os episódios são mais corriqueiros. No Rio Grande do Sul, 156 trabalhadores foram libertados nos últimos sete anos — uma média de cerca de 22 por ano. Dados da Comissão Pastoral da Terra indicam que o número de casos flagrados no Estado cresceu seis vezes desde 2008, totalizando 28 resgates no ano passado. Se o trabalho dignifica o homem, a condição digna de trabalho ainda não é a regra. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem uma explicação para isso: do ponto de vista financeiro e operacional, a escravatura contemporânea – resultado da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade – é tão ou mais vantajosa para os novos “donos de escravos” quanto a do Brasil Colônia e do Império. Em mais uma tentativa de curar esta chaga, o governo brasileiro, signatário de acordos internacionais que visam erradicar o delito, estabeleceu como prioridade de 2012 a aprovação da PEC do Trabalho Escravo.

Depois de 13 anos, a matéria passou pela Câmara dos Deputados em maio e, desde então, aguarda análise no Senado Federal, onde, se depender dos senadores gaúchos, deve receber sinal verde. A Proposta de Emenda à Constituição número 57A, de 1999, prevê o confisco da propriedade onde for constatada a exploração de mão de obra escrava, além de sua destinação para a reforma agrária e programas de moradia popular. “Temos uma situação perversa motivada pelo alto lucro e pela impunidade. Por isso, considero a PEC um instrumento definitivo para combater o trabalho escravo no Brasil”, afirma a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Maria do Rosário. Segundo ela, embora o período eleitoral tenha travado o andamento das votações no Congresso, a meta é aprovar o texto este ano, sem alterações, para que ele seja sancionado em seguida.

O desafio, contudo, será convencer a bancada ruralista. Conforme o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Luis Carlos Heinze, o problema é a subjetividade das hipóteses que configuram o crime. Entre elas, “jornada exaustiva” e “condições degradantes”, conforme o artigo 149. O deputado gaúcho foi uma das vozes dissonantes durante a aprovação da matéria na Câmara, cujo placar final ficou em 360 votos a favor, 29 contra e 25 abstenções. “A solução não é fazer lei para 5 milhões só porque tem meia dúzia que age errado.”

O temor de lideranças políticas e representantes do meio rural é que ocorram injustiças após a aprovação da PEC. Na avaliação do coordenador da Comissão Nacional de Relações de Trabalho e Previdência Social da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Cristiano Barreto Zaranza, a PEC impõe uma pena (a perda da propriedade) que, ao se somar com as punições vigentes (detenção de dois a oito anos e multa), torna-se mais grave do que a prevista nos casos de homicídio simples (reclusão mínima de seis anos).

Contudo, líderes dos agropecuaristas gaúchos negam a prática no RS. “Não existe trabalho escravo no Rio Grande do Sul”, afirmou o presidente da Farsul, Carlos Sperotto, que, ao conquistar o sexto mandato no início do mês, apontou a revisão das leis trabalhistas para o setor rural como um dos desafios da gestão 2013/2015.


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