Preços em baixa marcam remates de outono

Preços em baixa marcam remates de outono

Estiagem e queda de cotações do boi gordo e da soja impactaram comercialização ao longo da temporada no Rio Grande do Sul

Patrícia Feiten

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Ao final da temporada de feiras e remates de outono no Rio Grande do Sul, o balanço dos negócios é pouco animador do ponto de vista dos produtores que colocaram animais em pista. Influenciadas principalmente pela estiagem que prejudicou a safra de verão no Estado, as previsões de queda dos preços de comercialização se concretizaram. Entre fontes do setor, a expectativa é que os leilões programados para a primavera sinalizem alguma recuperação.

Um dos principais polos da pecuária gaúcha, a região central do Estado é um bom termômetro desse cenário. Segundo o presidente do Sindicato Rural de Lavras do Sul, Francisco Abascal, a oferta de animais aumentou 27% em relação ao outono passado, mas os preços recuaram de 25% a 35%, dependendo da categoria de bovinos – a queda mais acentuada foi verificada nos terneiros. “Tivemos a seca, as pastagens até agora ainda não estão recuperadas, recém está entrando um pouco de gado em pastagem”, diz Abascal, acrescentando que os produtores da região operam com atraso de 20 a 30 dias no trabalho no campo. Ele, porém, acredita que os valores já tenham chegado ao “fundo do poço”. “Piorar não piora, mas melhora a gente ainda não está enxergando”, avalia.

O presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais e Empresas de Leilão do Rio Grande do Sul (Sindiler), Fábio Crespo, confirma a retração. Segundo o leiloeiro, os preços de venda de terneiros em geral caíram de 15% a 20% na comparação com as médias da temporada de 2022, mas a tendência é que os valores se reacomodem em torno de um patamar “normal” à medida que se aproxima a primavera. “O produtor de touro vai ter de se adaptar ao preço que (o produtor) que vendeu o terneiro vai poder pagar. O mercado é soberano em relação a isso”, afirma o leiloeiro.

Na análise do professor Julio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a temporada de outono foi totalmente “atípica” se comparada às dos últimos 10 anos. “Mesmo num período de crise e de inversão do ciclo (pecuário), determinado por uma grande oferta de gado, houve uma queda de 30% a 40% em relação ao mesmo período do ano passado, quando nós não estávamos no auge do preço do terneiro”, explica. Essa redução drástica, segundo o professor, é atribuída, entre outros fatores, ao impacto da estiagem, que reduziu a alimentação para os rebanhos. “A seca alterou o ânimo dos pecuaristas, que forçaram muito a oferta. O número de animais ofertados este ano é superior em 30% em relação ao ano passado”, compara Barcellos.

Isso coincidiu com uma queda de 20% nas cotações do boi gordo no período e também com uma conjuntura marcada pelo declínio dos preços da soja. “O sojicultor é um comprador de terneiros, faz compras para revender esse terneiros em setembro, outubro. Neste ano, a relação de troca soja e terneiro ficou muito prejudicada e eles saíram do mercado”, observa Barcellos. Nem a demanda de compradores de outros estados e a retomada das exportações de bovinos vivos foram suficientes para segurar os preços. “Portanto, esta é uma safra bastante decepcionante em que muitos produtores procuraram se ver livres de seus animais com medo do inverno”, afirma o professor.

Barcellos destaca que a produção gaúcha de terneiros passa por uma dessazonalização. O desmame dos animais vem ocorrendo de janeiro a maio, o que resultou em uma grande variação no peso dos exemplares em pista nesta temporada. Diante da oferta ampla e diversificada e da procura relativamente baixa, os pecuaristas apontaram para um terneiro-padrão, com peso de 160 a 200 quilos. “Os que não estavam dentro desse padrão, possivelmente nascidos ou desmamados em outras épocas, sofreram uma depressão grande no preço, o que acabou puxando muito a média na temporada”, diz o professor.

Ciclo da pecuária

Os negócios da bovinocultura de corte no primeiro semestre de 2023 refletiram os impactos do ciclo de alta da pecuária de cria, de acordo com a Comissão de Relacionamento com o Mercado do Instituto Desenvolve Pecuária. Além de um grande aumento da oferta de animais para reposição, o período foi marcado por baixa demanda por carne no mercado interno e redução nos preços pagos pelo mercado externo, afetado pelo baixo desempenho da economia mundial – um cenário que impacta especialmente a China, principal destino das exportações brasileiras de carnes.

Segundo o presidente da comissão, Ivan Faria, os preços pagos por todas as categorias de animais mostraram contínua redução de janeiro a junho. “Ainda não estamos certos de termos chegado ao fundo do poço”, diz. A falta de alavancagem bancária para projetos de custeio e investimento pecuário reduziu fortemente a liquidez dos produtores, avalia o dirigente. “O cenário é o mesmo também para aqueles que têm os seus sistemas integrados à agricultura, esta impactada pelos baixos preços dos grãos neste momento. Todos estão aguardando alguma recuperação para realizar as suas vendas, principalmente se o objetivo for a troca grãos/animais”, afirma Faria


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