Retirada de símbolo da caveira estimula consumo de defensivos biológicos

Retirada de símbolo da caveira estimula consumo de defensivos biológicos

Decisão vale para produtos de baixa toxicidade, periculosidade e pouco risco para o aplicador

Grasiela Duarte / Correio do Povo

Defensivos biológicos não receberão mais o simbolo da caveira no rótulo

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A retirada pelo Ministério da Agricultura (Mapa) do símbolo da caveira de defensivos de origem biológica com baixa toxicidade, periculosidade e pouca exposição para o aplicador, reacende um questionamento: o produtor pode optar sempre pelo menor risco? As associações de produtos químicos e de biológicos são unânimes: para elas, não só por exigência do mercado consumidor ou das boas práticas agronômicas, mas por consciência, o agricultor deve optar pelo menos danoso. Isso não significa apenas escolher rótulos que indicam risco menor de impacto à saúde e ao meio ambiente, mas também respeitar as orientações de aplicação e os cuidados de manejo.

O coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária, Luís Eduardo Rangel, explica que o comitê integrado pelo Mapa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), através do ato nº29, publicado dia 8 de julho, decidiu diferenciar o tratamento dado aos produtos que têm grau de periculosidade menor para estimular o uso.

“Isso vem sendo trabalhado pelas universidades e precisávamos estabelecer acesso livre a esses produtos.” Segundo ele, a mudança também atende a um pedido da agricultura orgânica, que muitas vezes usa esses produtos e vinha enfrentando resistência porque a classificação era a mesma de um químico.

Conhecimento da lavoura

Mas, para optar pelo menor risco, o agricultor precisa conhecer a lavoura. O gerente de educação da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), José Annes Marinho, explica que, antes de escolher entre um produto biológico ou químico, é necessário consultar um técnico e fazer um levantamento do histórico da lavoura: saber sobre a ocorrência de pragas, plantas daninhas e como será o clima durante a implantação e o desenvolvimento. Também é importante avaliar qual a cultura que foi plantada na área e qual a nova variedade a ser semeada. “É possível optar pelo menos danoso, mas é preciso saber o que realmente a lavoura precisa. Muitas vezes, se aplica algo que não é necessário.” O ideal, segundo ele, é que se busque produtos de menor impacto ambiental (classe 4) e baixo risco à saúde do aplicador (faixa verde).

Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio), Ari Gitz, os nematoides entomopatogênicos incluídos na normativa do Mapa são agentes de controle benéficos para o homem. Eles combatem somente a praga e não causam outros prejuízos como os químicos, que matam insetos benéficos que auxiliam no controle de outros insetos prejudiciais à agricultura. Gitz alega que os defensivos biológicos controlam lagartas, por exemplo, com uma eficiência igual ou maior que os inseticidas convencionais. “O mesmo ocorre com outros biofungicidas ou bioinseticidas sem afetar os insetos benéficos para a agricultura.”

Monopólio na distribuição

A questão para ele é que, mesmo existindo produtos biológicos, considerados de menor risco, disponíveis para todas as culturas e problemas enfrentados nas lavouras, dificilmente eles chegam ao produtor porque as distribuidoras estão nas mãos de grandes empresas. “O vendedor ganha bônus para comercializar os defensivos químicos.” Rangel avalia que isso pode mudar porque transnacionais que tradicionalmente trabalham com agrotóxicos vêm percebendo que ter produtos biológicos em seus portfólios também é bom para o negócio.

Segundo o Mapa, esses produtos representam apenas 1,3% do segmento de defensivos, que tem 1.430 marcas comerciais permitidas para uso no Brasil. Para o diretor executivo da Andef, Eduardo Daher, a iniciativa do governo não deve mudar a cultura dos agricultores, que compram dado rótulo não porque um é mais barato do que outro, mas porque confiam no resultado. Mas pondera que é necessário conscientizar. “O que faz o veneno é a dose”, alerta.

Ele avalia que defensivos são remédios e que o produtor deve respeitar a orientação de agrônomos, a receita agronômica, a dose certa e a recomendação da melhor hora para aplicação. Gitz concorda com Daher sobre a cultura dos produtores. Ele avalia que a ação do biológico depende de conhecimento. “Um biológico leva de dois a três dias para matar os insetos. Se o produtor não souber disso, vai pensar que o produto não está funcionando e optar pelo químico.”

Uma caveira e muita polêmica

Numa clara intenção de incentivar a ampliação do mercado de defensivos biológicos e elevar o número de rótulos registrados em até 7% até 2015, o Ministério da Agricultura (Mapa) retirou a exigência de uso da caveira nas embalagens e deixou a indústria confusa. O diretor executivo da Andef, Eduardo Daher, avalia que a caveira ajuda o trabalho de extensão rural sobre os cuidados com o uso dos produtos. “Se tem a caveira, o produtor não deixa perto das crianças, guarda em local seguro”. Ele frisa que, ao longo dos anos, vem se investindo muito em campanhas e treinamentos para que se use a dose certa, equipamentos de proteção individual (EPI), para que não se aplique contra o vento e que as embalagens sejam devolvidas. “Acho que essa mudança vem contra o estímulo ao uso eficiente de defensivos agrícolas.”

Segundo ele, sem o alerta de perigo expresso no rótulo, quando o produto vencer, o agricultor pode decidir enterrar, queimar e, na hora de aplicar, achar que não vai ter problema se não usar EPI. Segundo coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, Luís Eduardo Rangel, isso foi levado em conta e, neste primeiro momento, os produtos liberados são os que integram as classes quatro de risco à saúde e ao meio ambiente (faixa verde). Ou seja, têm baixo grau de periculosidade. “Consideramos isso, porque mesmo que o produtor negligencie o uso de EPI ou o descarte correto, o impacto não será grande.”

Ele acredita que o futuro é abrir essa oportunidade para outros biológicos. O gerente de educação da Andef, José Annes Marinho, alerta que os produtos biológicos que poderão circular sem a caveira têm menor toxicidade do que os químicos convencionais, mas não significa que não terão impacto à saúde ou ao ambiente. Para o vice-presidente da ABCBio, Ari Gitz, eles atendem a uma demanda de consumidores que buscam cada vez mais produtos com pouco ou nenhum resíduo de agrotóxicos. A expectativa é que, ainda nesta década, o Mapa possa ampliar a abrangência para feromônios e microbiológicos. Segundo Rangel, para os primeiros da classe de feromônios deve ser mais simples porque têm efeito biológico para captura de insetos. Já os microbiológicos são mais complexos.

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