Tecnologia pode ajudar Brasil a duplicar produção agrícola sem desmatar

Tecnologia pode ajudar Brasil a duplicar produção agrícola sem desmatar

Para especialistas do agro, desafio apresentado pela ministra Marina Silva em Davos é viável e exigirá investimento em políticas públicas

Patricia Feiten

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O agronegócio e seu papel na preservação ambiental estiveram no centro dos debates do 53º Fórum Econômico Mundial, realizado ao longo desta semana em Davos, na Suíça. Estrela de um dos painéis do evento, na segunda-feira, a ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou que a transição para a agricultura sustentável será o grande desafio do Planalto nos próximos quatro anos e disse que o Brasil tem capacidade para duplicar a produção de alimentos sem necessitar derrubar nenhuma árvore. Embora a afirmação possa soar exagerada, especialistas do setor avaliam que essa meta é viável. A receita para atingi-la inclui investimento em políticas públicas e adoção de tecnologias que aliem a proteção ambiental ao resultado financeiro no campo.

Conhecido pelo trabalho à frente da Comissão do Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o vice-presidente da entidade, Domingos Velho Lopes, diz que a fala da ministra reflete o pensamento do setor. “Temos convicção de que dobraremos a produção até 2030-2035 sem haver desmatamento ilegal no Brasil, porque as tecnologias novas têm um grande potencial de aumento de produtividade em todas as cadeias produtivas”, afirma. Entre as estratégias para essa expansão, Lopes cita a integração entre agricultura e pecuária, em sistemas de rotação ou consórcio, e as iniciativas de reservação de água nas propriedades rurais. “A irrigação é o maior seguro e, tendo irrigação, tu aumentas a capacidade produtiva de culturas tanto perenes quanto sazonais”, explica.

“O produtor, independentemente do porte e da atividade, é o vetor de todas as tecnologias. Cabe a nós fazer com que essa pesquisa e essa inovação tecnológica cheguem na ponta. Por isso, temos que fortalecer a figura da Emater, da Embrapa e do Senar.”

Domingos Velho Lopes, vice-presidente da Farsul

Uma das principais ações do agro na busca de safras cada vez maiores, segundo Lopes, é Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, o ABC+, apresentado pelo governo federal na COP26 e na COP27. Atualmente em sua segunda etapa, o programa visa diminuir a emissão de carbono equivalente em 1,1 bilhão de toneladas até 2030, com a introdução de práticas sustentáveis em mais de 72 milhões de hectares de terras no país. “A agricultura de baixo carbono nada mais é do que aumentar o potencial produtivo com a resiliência, então são duas políticas que conversam permanentemente”, diz Lopes.

Para a chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Paula Packer, dobrar a produção agrícola é uma possibilidade real. “A agricultura tem de ser lucrativa e tecnificada. A gente tem de olhar para esta nova economia, que vai ser baseada em sistemas biológicos, fazer uma transição para os bioinsumos”, exemplifica a pesquisadora. Ele defende que o país avance em iniciativas públicas baseadas em práticas sustentáveis e capazes de garantir rentabilidade ao produtor, como o programa RenovaBio, o Programa Nacional de Bioinsumos e a política de Produção Integrada.

“O produtor rural não vai pensar no verde enquanto estiver no vermelho. Uma agricultura baixo carbono, que vai melhorar o solo, olhar para os bioinsumos, tudo isso vai nos dar esse direcionamento de aumentar a produtividade e não desmatar mais.”

Paula Packer, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente

Embora grande parte do desmatamento no Brasil tenha origem na chamada grilagem de terras, Paula afirma que é o setor agrícola quem acaba pagando pelo corte da floresta. “O seu produto (exportado) tem já esse selo ‘O Brasil desmata’. Para que essa conta saia do agro, você tem de aumentar a produtividade do seu espaço”, destaca. Para a expansão sustentável, a pesquisadora destaca ainda a importância de os produtores regularizarem as áreas de reserva legal – o Código Florestal determina que as propriedades rurais mantenham no mínimo 20% de vegetação nativa. “O agro tem de se conscientizar e falar: o que estou fazendo de errado na minha fazenda? Vamos acertar a reserva legal, ver qual é a diminuição de produtos químicos que eu posso fazer”, diz.


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