Com fila ainda impactada pela pandemia, Brasil tem 39 mil pessoas à espera de um órgão

Com fila ainda impactada pela pandemia, Brasil tem 39 mil pessoas à espera de um órgão

Dados do Sistema Nacional de Transplantes mostram que, desse total, 92% são pacientes que precisam de um rim

R7

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Após dois meses na fila de espera, a pequena Lavínia Cruvinel conseguiu o tão esperado coração, que foi transplantado na quarta-feira (30). A garota, de dez anos, foi diagnosticada com miocardiopatia hipertrófica, aos seis meses de vida.

A condição, segundo o Manual MSD de Diagnóstico e Tratamento, é uma doença que pode ser congênita ou adquirida, e provoca intensa sobrecarga dos ventrículos do coração, reduzindo a capacidade de encher as cavidades com sangue.

Em uma cirurgia de quatro horas, Lavínia recebeu o coração doado por uma família, dos quais os dados são mantidos em sigilo. Ela faz parte das mais de 3 mil pessoas que já receberam um órgão transplantado em 2023, de acordo com dados do SNT (Sistema Nacional de Transplantes) do Ministério da Saúde (atualizados até 5 de junho).

Atualmente, o Brasil encontra-se com uma fila de 39.303 pessoas que aguardam um órgão, das quais, 36.132 (92%) são apenas para o transplante de rim, segundo o SNT. 

"Se considerarmos a adição de tecidos, como pele e córnea, a fila se torna ainda mais extensa", afirma o nefrologista Valter Duro, da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos).

O médico nefrologista Filipe Maset, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica o motivo do crescimento da espera. Um deles foi a pandemia, que diminuiu a circulação de pessoas e, consequentemente, mortes por acidentes, por exemplo, que poderiam resultar em mais doações.

Além disso, existia uma demora para certificar que aquele doador não tinha Covid-19, de forma a possibilitar o transplante, o que diminuiu a viabilidade. Segundo o RBT (Registro Brasileiro de Transplantes), em 2020, mesmo com a pandemia, as taxas de doação de órgãos foram de 15,8 por milhão de pessoas, uma queda de 2,3% em comparação com o cenário pré-Covid-19. Em 2019, a taxa de doação foi de 18,1 por milhão de pessoa.

"Outra razão é a de que houve grande evolução tecnológica e acessibilidade aos tratamentos, o que aumenta a sobrevida desses pacientes e, assim, quanto mais gente na fila, maior a espera."

O caso se aplica à fila para o recebimento dos rins, que tem um tempo de espera médio de três anos. Por haver máquinas capazes de fazer a hemodiálise, mantendo a função mesmo com a falência do órgão, tal tecnologia permite que as pessoas fiquem mais tempo aguardando.

No entanto, essa espera pode variar de acordo com a necessidade e funções vitais exercidas."Uma pessoa que precisa de um coração, de um pulmão, não pode aguardar. Ou o transplante acontece logo ou ela morre", esclarece Maset. 

Era o caso de Lavínia. Em 28 de março, a criança sofreu uma parada cardíaca devido a progressão da doença e foi encaminhada ao hospital. Foram cerca de 60 dias isolada na UTI, apenas com a companhia dos pais e separada da irmã.

Mesmo após o recebimento do órgão, ela ainda terá de ficar sob observação, internada por mais 30 dias, para saber se haverá rejeição do coração recebido.

Depois, o acompanhamento será feito perodicamente – primeiro, depois de 15 dias. Após esse período, as avaliações passam a ser mensais, trimestrais e anuais, consecutivamente. 

Realidade difícil

Duro alega que os números da fila, assim como o de pessoas transplantadas, mudam todos os dias, conforme as necessidades aparecem, assim como mortes e doações realizadas. Dados do SNT mostram que os estados que mais realizaram transplantes, até o momento, foram São Paulo (998); Minas Gerais (419); Paraná (340); Rio de Janeiro (311); e Rio Grande do Sul (293).

Já os lugares com menos transplantes foram o Acre e Alagoas, ambos com apenas cinco transplantes, cada, seguidos pelo Piauí (11); Mato Grosso do Sul (13); e Rio Grande do Norte (19). A disparidade ocorre, segundo o especialista da ABTO, porque muitos lugares não realizam os procedimentos – seja de modo geral ou para órgãos específicos. Assim, muitos pacientes que estão na fila de espera acabam se deslocando para os estados que fazem. 

Outra adversidade enfrentada é a autorização da família para a doação. O nefrologista da BP alega que, mesmo que a pessoa tenha manifestado em vida o desejo de doar, a palavra final vem da família, que muitas vezes nega, seja por motivos de logística e rapidez para o velório, questões religiosas ou por falta de informação. 

Duro ressalta, ainda, que, em muitos casos, a falta da comprovação da morte cerebral acaba impossibilitando o processo, descartando potenciais doadores.

Requisitos para doação e recepção de órgãos

A doação de órgãos pode ser feita de duas formas: com doadores vivos, que podem ofertar um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões; e por doadores mortos, que podem doar rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino, além de tecidos como córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias. Maset explica que a doação de órgãos de pessoas mortas, por só poder ser feita a partir da constatação de morte cerebral, acaba diminuindo o número de doadores.

Para o procedimento, após a morte do doador, o corpo passa por exames de dois neurologistas, que atestam a inatividade cerebral, somado a exames de imagem que comprovem a falta de fluxo de atividades encefálicas e, assim, é feito o diagnóstico de morte.

Certificada a morte encefálica, é necessário saber se a pessoa não tinha doenças ou comorbidades; ser compatível; manifestar em vida o desejo da doação dos órgãos e ter a autorização da família para a realização do transplante após a morte. 

Já para doadores vivos, que podem ofertar o rim, devem ser pessoas saudáveis, de modo que a falta de um dos órgãos não afetará sua saúde posteriormente, não podem ser pessoas com comorbidades, como diabetes e cardiopatias, não ter alterações anatômicas e renais, ter a compatibilidade atestada em exames e manifestar seu interesse para a doação.

Se o doador for uma pessoa da família de até terceiro grau ou pessoas casadas com certidão, não há necessidade de autorizações judiciais. Para doadores não relacionados, como amigos, é necessário o documento, autorizando a doação. 

Para os receptores, as condições são a certificação de que o paciente está apto para participar de uma cirurgia de médio porte, não estar em tratamento para nenhum tipo de infecção, não estar em tratamento para câncer e ser compatível. 

Os órgãos devem ser realocados de um organismo para o outro dentro de um período de 12 horas, de modo que não prejudique suas funções.

"Nós que estamos do outro lado, que é o lado que precisa da doação não torcemos para alguém morrer para salvar outras pessoas. Torcemos para que a família tenha amor ao próximo e autorize a doação de órgãos. Sabemos que a família doadora gostaria muito que seu ente querido voltasse para casa com seu sorriso lindo, mas isso não é possível. O que é possível é salvar várias vidas através da doação de órgãos. Doar órgãos é conseguir trasnformar sua dor em um ato nobre de amor", alega Michelle Cruvinel, mãe de Lavínia.

Para quem deseja se tornar um doador, é possível fazer um cadastro na Adote (Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos), que emite a carteirinha para os interessados, pelo site.

 


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