Consumo de cigarro eletrônico cresce no Brasil, enquanto o tradicional perde espaço

Consumo de cigarro eletrônico cresce no Brasil, enquanto o tradicional perde espaço

Especialistas alertam sobre o risco do uso de vapes, que são tão prejudiciais quanto o convencional, contendo nicotina e outras substâncias tóxicas

R7

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As taxas de tabagismo no Brasil caíram em relação ao período pré-pandemia. De acordo com o Covitel 2022, inquérito telefônico de rastreamento de doenças crônicas não-transmissíveis, a redução da prevalência foi de 2,5 pontos percentuais, comparando os níveis antes da Covid-19 e o primeiro trimestre de 2022. 

Organizado pelas entidades Vital Strategies Brasil, Umane, Instituto Ibirapitanga, Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e UFPel (Universidade Federal de Pelotas), o Covitel teve uma amostragem de 9 mil pessoas, e foi publicado em março de 2023.

A prevalência do consumo de cigarros tradicionais foi de 14,7% antes da pandemia, para 12,2% no começo de 2022. A redução foi mais expressiva entre os homens. No pós-pandemia, 7,3% dos entrevistados relataram ter experimentado cigarro eletrônico, mesmo percentual dos que também disseram ter provado narguilé, a maioria jovens adultos, com idades entre 18 e 24 anos (17% e 19,7%, respectivamente).

A pneumologista Suzianne Lima, da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) afirma que a redução do consumo de cigarros tradicionais ocorre desde 2005. Em contrapartida, os cigarros eletrônicos tiveram um "boom" de consumo nos últimos três anos.

"Os jovens, fechados em casa durante a pandemia, sob as fake news de que o cigarro eletrônico não faz mal, não tem nicotina ou que ajudaria a parar de fumar, aumentaram seu consumo", explica.

Essas ideias geraram, então, uma estagnação e queda pouco expressiva no tabagismo em geral, justamente pela tentativa de largar o cigarro convencional em substituição ao eletrônico. Muitas pessoas acabam retornando ao primeiro. 

A médica alega que tal experimentação se dá por alguns apelos oferecidos pelos produtos: design, cheiro, sabores, personalizados. "Apesar dessa mensagem sedutora da indústria, a maioria dos novos dispositivos eletrônicos contém nicotina, muitas vezes com uma concentração desconhecida, que é mascarada por sabores e aromas, e com aparência mais moderna", afirma a otorrinolaringologista Roberta Pilla, membro da ABORL-CCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial).

Roberta acrescenta que outro ponto que pode justificar o aumento do consumo, principalmente entre os jovens, é o fato de o cigarro eletrônico não deixar cheiro residual. Assim, o consumo se torna mais discreto e sigiloso, gerando dificuldade de descobrimento do uso entre menores de 18 anos, além de não soltar a fumaça com odor desagradável, não espalhar bitucas e nem provocar mau hálito, de acordo com a otorrinolaringologista.

Entretanto, essa ideia de que tais artigos não seriam prejudiciais não passa de uma mentira – eles contêm, sim, substâncias que são tóxicas ao organismo, com elementos potencialmente e alguns comprovadamente cancerígenos.

"Qualquer tabaco fumado contém substâncias tóxicas e está associado a um aumento de câncer. Muitos deles têm nicotina, além de outros componentes que, quando aquecidos, causam lesões no trato respiratório" complementa a otorrinolaringologista Maura Neves.

Suziane esclarece que os cigarros eletrônicos novos, da quarta geração, são compostos com sais de nicotina, que conseguem atravessar a barreira hematoencefálica (estrutura que impede a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central) em poucos segundos, causando grande dependência e de forma rápida. O cigarro eletrônico aumenta em três vezes as chances de os usuários experimentarem o tabaco tradicional em algum momento seguinte. 

Roberta alega que, no cenário pós-pandemia, pode-se observar um padrão maior de estresse, associado com a carga de trabalho e pressões do cenário econômico, além da possibilidade de trabalho remoto, que tem feito com que muitos profissionais tenham jornadas mais longas. 

Com isso, a especialista argumenta que as pessoas recorrem mais facilmente ao tabagismo, uma vez que se apresenta como um meio, pela nicotina (um estimulante), de gerar uma sensação de “bem-estar” que tem alto poder de vício.

Quanto à redução de consumo do cigarro tradicional entre as mulheres ser menos expressiva, a pneumologista justifica que o sexo feminino deixa de fumar de forma mais lenta que o masculino devido a fatores ansiosos e estressores, pela sobrecarga enfrentada na rotina e jornadas triplas em muitos casos. 

Por fim, as profissionais alegam que não é possível afirmar que pessoas que pararam de fumar na pandemia tenham voltado ao consumo. Entre as variáveis que precisarão ser observadas a partir de agora para determinar se é uma tendência estão, por exemplo, se o cigarro eletrônico vai impulsionar o retorno das pessoas ao tradicional. 


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