Dia do Médico: Sentimento de missão cumprida

Dia do Médico: Sentimento de missão cumprida

Hospitais e entidades representativas avaliam pandemia até aqui e debatem os aprendizados da fase mais aguda da crise sanitária que impactou o planeta 


Christian Bueller

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Mais do que uma profissão, uma missão. Neste dia 18, é comemorado o Dia do Médico, categoria que, assim como todos os profissionais de saúde, passou por uma verdadeira prova de fogo ao se deparar com uma pandemia, estando na linha de frente na batalha contra a Covid-19, que matou mais de 6 milhões de pessoas, mais de 40 mil somente no Rio Grande do Sul. Muitas destas perdas foram sentidas na classe, após contaminação durante o seu trabalho que é justamente o de salvar de vidas. Mesmo que a crise sanitária mundial não tenha terminado, o arrefecimento de infecções e falecimentos decorrentes é saudado por instituições e entidades representativas, que ainda elaboram e avaliam os aprendizados colhidos desde março de 2020. 

Foi exatamente no dia 16 daquele mês que estabelecimentos como a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre começaram a se organizar para receber os primeiros pacientes do coronavírus. A coordenadora das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do hospital, Denusa Wiltgen, relembra o clima de insegurança da época. “O início da pandemia, para nós, foi até antes, em janeiro, quando houve a reunião inicial de gerências para traçarmos as primeiras estratégias. Era um sentimento de incertezas. Por mais que a gente treinasse e tentasse utilizar o que tinha de conhecimento, talvez até hoje nós não sabemos tudo sobre coronavírus. É um aprendizado contínuo, mas, naquele momento, a gente usava de conhecimentos de outras situações prévias para lidar com o desconhecido”, revela. Para ela, a pandemia foi a situação mais marcante de sua vida médica. “Eu trabalhava diuturnamente, com paramentação plena de proteção individual e não sabendo como voltar para casa, não vendo os meus familiares. Ter um afastamento social necessário e com uma carga pesada dentro do hospital”, conta Denusa. 

Médico intensivista e diretor-técnico do Divina Providência, Willian Dalprá, cita dois sentimentos que brotaram no início da pandemia: medo e impotência. “Mas, à medida que os casos foram chegando, se transformaram na necessidade de um protagonismo colaborativo. Talvez, eu nunca presenciei algo tão resiliente assim em relação às equipes”, afirma. Com experiência de ter atendidos muitos casos durante crise de Gripe A, em 2009, e vítimas sobreviventes do incêndio na Boate Kiss, em 2013, o médico se surpreendeu com o trabalho coletivo entre os profissionais de saúde. “Havia o DNA de me envolver em situações mais comoventes, mas não tinha visto, até então, este espírito de tanto protagonismo. Rapidamente ocorriam ações, muitas vezes às pressas. Aprendemos com elas, entendendo o comportamento da doença”, explica o diretor-técnico do Divina. 

Foto: Ricardo Giusti 

O CEO do Hospital Moinhos de Vento, Mohamed Parrini, era otimista quando à duração da pandemia. “Achei que seria uma coisa passageira, de meses”. O superintendente estava nos Estados Unidos quando começou a se deparar com pessoas usando máscaras. Era assim em todas as cidades por onde passavam. “Os profissionais que falavam comigo se mostravam preocupados. Quando cheguei no Brasil, o Ministério da Saúde convocou os cinco hospitais em excelência, entre eles, o Moinhos, para fazer uma discussão estratégica. E, naquele momento, me caiu a ficha de que seria algo impactante. Eu falava em entrevista que poderia durar dois anos, mas achava que não seria mais do que um ano”, lembra. O hospital precisou mobilizar porque teve o primeiro paciente de Covid-19 com contágio comunitário e criou um laboratório em 90 dias para fazer os testes. “O Rio Grande do Sul fez seu dever de casa bem feito. Contratamos 350 profissionais. Médicos, mas também toda uma equipe, como enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas, todos verdadeiros heróis”, afirmou Parrini. 

O chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição, José Luiz Pedrini, recordou que a chegada pandemia pegou a todos, profissionais e pacientes, desprevenidos. “Foi algo inesperado no mundo inteiro, ninguém podia imaginar e nem estar preparado para o que vinha pela frente”, diz o médico, especializado em tratamento de câncer de mama. Ele lembra que, com toda a responsabilidade e segurança sanitária possível, mesmo com mais de 70 anos e pertencer ao grupo de risco, continuou atendendo suas pacientes que precisavam se operar com agilidade. “Consegui não parar, fazendo com o máximo de isolamento possível, tanto no hospital quanto no meu consultório, porque as pessoas precisavam. Foi um momento que ninguém esperava passar, mas segui, mesmo sem certeza do que iria acontecer”, revela Pedrini. 

Para o vice-presidente da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), Paulo Morassutti, a sensação geral, em março de 2020, era de pânico. “Víamos reportagens relatando as mortes que ocorriam na Europa. Era uma situação que, até aquele momento, assistíamos em filmes”, comparou. A surpresa pelo desconhecido chamava a atenção, pois não se sabia qual o nível de agressividade e como seria o tratamento, segundo o cirurgião oncologista. “Me lembro de chegar em casa e passar uma higienização em que tirava a roupa e trocava o sapato, além de lavar muito as mãos. A família ficou muito assustada porque eu momento algum parei a minha atividade com o médico”, frisa Morassutti. 

Foto: Ricardo Giusti 

O presidente do Sindicato Médico do RS (Simers), endocrinologista Marcos Rovinski, assumiu o cargo em 2022, mas já pertencia à entidade na administração anterior. “Logo no início, distribuímos álcool gel e máscaras para colegas e parceiros na linha de frente contra a Covid-19. Em ação pioneira, imunizamos os profissionais em um drive thru com a vacina. Quem optou por receber as doses, tão logo foi possível, recebeu as quatro aplicações”, se orgulha. Rovinski destacou o papel dos médicos intensivistas no período. “O Simers esteve sempre ao lado da categoria, buscando garantir os seus direitos e sua segurança”, ressaltou. 

O legado positivo da pandemia  

O sentimento do CEO do Hospital Moinhos de Vento, Mohamed Parrini, é de dever cumprido, mas também de gratidão. “Tanto aos profissionais médicos, quanto demais profissionais de saúde, pelo papel altruísta e humanitário. Estamos atordoados em todo mundo. Mudou tudo: o padrão de consumo, a forma que as pessoas lidam com a saúde, os relacionamentos pessoais, educação”, salientou. Parrini aplaude a ciência pela agilidade com que a vacina começou a imunizar a população em menos de dois anos. “E, também, dou uma salva de palmas ao Sistema Único de Saúde (SUS) que, apesar das brigas políticas, fez o seu papel em um processo de vacinação incrível”, disse o superintendente, que ressaltou a importância da educação e da pesquisa para formar profissionais ainda mais qualificados. 

Para a coordenadora das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do hospital Santa Casa, Denusa Wiltgen, um dos maiores aprendizados aparecem em momentos de incerteza, como ocorreu durante a pandemia. “Devemos sempre prezar pela maior segurança global e que isso certamente é mutável. Aprendermos a caminhar nas incertezas sem tanto atrito é um exercício. A ciência ainda não tem todas as respostas. Mas, se fez o que se podia no melhor momento da melhor forma”, afirma. Denusa acredita que ser médico é sinônimo de gostar de pessoas na sua plenitude. “Tentar ter uma compreensão do ser humano, não só na parte da doença, mas na parte da saúde e na parte das vivências. É ser uma amante de gente e eu tenho verdadeira paixão. Nós prestamos atenção nas dores e nas alegrias”, conta. 

Foto: Ricardo Giusti 

O presidente do Cremers, Carlos Sparta, a classe médica conseguiu se adaptar rapidamente aos dilemas apresentados desde 2020. “A telemedicina foi uma grande inovação e mudou a história da medicina. Esse foi um grande legado da pandemia. Algo muito importante que mostrou que a categoria está preparada para as maiores adversidades”, ressaltou. Sparta parabeniza os médicos gaúchos pela data. “Com muito amor e profissionalismo, dedicam as suas vidas até para salvar as dos outros. Temos orgulho de dizer que o Rio Grande do Sul conta com excelente time de profissionais que realizaram trabalhos muito relevantes em nível nacional e até mesmo em nível internacional”, conclui. 

Esta é a mesma percepção do presidente do Simers, Marcos Rovinski, que lamenta as perdas de colegas para a Covid-19 desde que a doença apareceu. “Além disso, muitos médicos adoeceram de depressão e síndrome de burnout (também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional). Muitos estão sem receber, mas nunca deixaram de prestar atendimento”, destaca, salientando a necessidade de valorização da categoria.  

O vice-presidente da Amrigs, Paulo Morassutti, lembra que a entidade inaugurou, ainda em 2021, o Memorial da Gratidão, em homenagem aos colegas que perderam a vida na pandemia. “São esculturas que retratam os três momentos da pandemia: a morte, a ciência e a cura”, relata. Para ele, a crise da Covid-19 mostrou a necessidade de um planejamento da saúde. “Aprendemos que não estávamos preparados para uma situação dessas. Não foi a primeira pandemia que passou no mundo e haverá outras. Não podemos sair correndo para equipar o hospital e a UTI no meio no meio da calamidade. A estratégia não deve ser para dois anos ou três anos, mas dez anos”, defende. 

O diretor-técnico do Divina Providência, Willian Dalprá, corrobora. “(A pandemia) expôs muito a fragilidade do nosso sistema de saúde. Fomos testados e ficou muito claro que, especialmente, no que diz respeito à cadeia da saúde suplementar, temos muito a evoluir. São muitos ‘Brasis’ diferentes e foi muito perceptível”, opina. Segundo o médico intensivista, no entanto, foi comprovada a importância do trabalho colaborativo, como se viu nos momentos mais difíceis. “Não existe um protagonismo de um ao outro profissional, mas sim equipes interdisciplinares coordenadas que fizeram a diferença”, explicou Dalprá, que elenca, ainda, como aprendizado a necessidade da agilidade nas tomadas de decisões. “O paciente no centro do cuidado, sempre”, concluiu. 

O médico do Hospital Conceição, José Luiz Pedrini, diz que a fase mais grave da pandemia já passou, mas o coronavírus continuará circundando a humanidade. “A agressividade deverá ser cada vez menor, mas será como a gripe, todo ano, teremos que nos vacinar. Cuidar da saúde é evitar as doenças. A obesidade, por exemplo, é uma delas. Temos que buscar uma dieta mais saudável, para que outros problemas não ocorram”, indica. Pedrini parabeniza os colegas pela data comemorativa. “É um dia para ser lembrado, respeitado e valorizado. É mais que uma profissão, uma missão”, conclui o mastologista.  

Presidente do Conselho de Administração da Unimed Porto Alegre, Márcio Pizzato destaca que celebrar o Dia do Médico é valorizar quem cuida da vida. “Durante a pandemia, vimos profissionais que dedicaram-se de uma forma ainda mais intensa à sua vocação de cuidar das pessoas diante de um cenário turbulento. A Unimed Porto Alegre reconhece os esforços de toda a classe médica e, principalmente, se orgulha dos seus mais de 6,6 mil cooperados, que chancelaram o compromisso com a vida no período mais desafiador dos últimos tempos”, afirma.

A volta de uma homenagem  

Após dois anos pausada devido à pandemia, o Cremers voltará a realizar a tradicional homenagem aos profissionais com mais de 50 anos de profissão. Marcando o Dia do Médico, o evento irá ocorrer nos dias 19 e 20 de outubro, às 18h, no Teatro da Amrigs. “Estamos muito felizes de poder retomar este evento, valorizando os médicos que tanto se dedicaram à carreira e à saúde da população”, afirma o presidente do Cremers, Carlos Sparta. 

Nesta edição, serão homenageados os médicos formados nos anos de 1970, 1971 e 1972, incluindo assim os profissionais que completaram, durante a pandemia, cinco décadas de atuação. No dia 19 (quarta-feira), receberão a honraria os médicos que se formaram em 1970 e 1971. Já no dia 20 (quinta-feira), será a vez dos formados em 1972. Todos receberão medalha e certificado de Mérito Médico.  

Cooperativismo

Assim como profissionais de outras áreas, os médicos se unem para persistir no mercado – e assim surge o cooperativismo. No Brasil, o cooperativismo médico surgiu pela década de 1960 e, atualmente, somos os líderes mundiais neste tipo de associação. Esse modelo permite uma maior valorização dos médicos, com maior remuneração, a adoção de práticas sustentáveis e uma preocupação com o bem-estar social. Para os médicos, tornar-se um cooperado é uma maneira de somar forças para alcançar objetivos comuns.

Com mais de 15,7 mil cooperados, o Sistema Cooperativo Empresarial Unimed-RS é responsável pelo atendimento de 1,9 milhão de pessoas. Em junho de 2022, a Federação das Unimeds do RS completou 50 anos de fundação. No Brasil, são 118 mil médicos cooperados a Unimed. “Neste Dia do Médico, portanto, temos muito a comemorar, mantendo a liderança no setor e o crescimento sustentável do cooperativismo de saúde”, afirma o presidente da Unimed Federação/RS, Nilson Luiz May. Em uma cooperativa, os profissionais são donos e médicos, fazendo parte da administração do negócio, mas mantendo as raízes assistencialistas.

Dia do Médico pelo mundo  

A escolha do dia 18 de outubro para homenagear os médicos no Brasil é atribuída a Eurico Branco Ribeiro, um conhecido médico paranaense, que quis homenagear o protetor da categoria, São Lucas – que, inclusive, dá nome ao Hospital da PUC. O idealizador data nasceu em Guarapuava, em 1902, se formou pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1927, foi professor de cirurgia e fundou o Sanatório São Lucas, em São Paulo. Além de médico, foi escritor e filantropo. A data também é comemorada em países como Itália, Portugal, França, Espanha, Bélgica e Polônia. Não se sabe tem notícia se 18 de outubro é o nascimento ou falecimento do homenageado. 

Os Estados Unidos comemoram o Dia do Médico (Doctor’s Day) em 30 de março, data em que a anestesia foi administrada pela primeira vez em um paciente em 1842, pelo Dr. Crawford W. Long, no estado da Georgia. No Canadá também se comemora o Doctors’ Day, mas no dia 1º de março, data que marca o nascimento da Dra. Emily Stowe, primeira mulher a ser médica no país. Diversos países da América Latina, como Argentina, Uruguai, Cuba e Paraguai, celebram o Dia Internacional del Médico em 3 de dezembro, em homenagem ao médico de origem cubana Carlos Finlay, responsável por comprovar a teoria de que a febre amarela se propaga através do mosquito Aedes aegypti, salvando milhares de vidas no continente e impulsionando as pesquisas médicas na América tropical. 


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