Fiocruz consegue provar que ondas de calor causam explosão de casos de dengue no País

Fiocruz consegue provar que ondas de calor causam explosão de casos de dengue no País

Artigo publicado na revista Nature relaciona proliferação do mosquito ao desmatamento e à urbanização de pequenas e médias cidades

Estadão Conteúdo

O mosquito Aedes aegypti se reproduz em temperaturas entre 18°C e 33°C, sendo que a faixa ideal para manter a transmissão do vírus é entre 21°C e 30°C

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O interior do Brasil ultrapassou o litoral na incidência de dengue por causa do aumento das ondas de calor. A região costeira que vai de Santos, em São Paulo, até Belém, no Pará, tipicamente apresentava maior proporção de casos de dengue em comparação com sua população. Entretanto, o oeste do Paraná, o oeste de Santa Catarina, o oeste de São Paulo, o interior de Minas Gerais, uma parte do Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul viram a transmissão da doença aumentar.

De acordo com o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz e autor do estudo, Christovam Barcellos, a maior quantidade de dias de calor nessas áreas está relacionada ao desmatamento. Atualmente, o País assiste a um recorde de casos de dengue, o que tem feito cidades decretarem emergência e adotarem medidas de mitigação.

Publicado na renomada revista científica internacional Nature, o estudo da Fiocruz correlacionou o aumento dos casos de dengue na região com a maior frequência de dias com temperaturas acima da média, ou seja, ondas de calor. Outro fator que tem provocado o aumento de dengue é a urbanização desacompanhada de melhorias nos serviços oferecidos pela cidade.

Detalhamento

O mosquito Aedes aegypti se reproduz em temperaturas entre 18°C e 33°C, sendo que a faixa ideal para manter a transmissão do vírus é entre 21°C e 30°C. Essa média é padrão em grande parte do Brasil, mas em alguns lugares do Sul e do Planalto Central a temperatura média fica abaixo dos 18°C, em especial durante o inverno. Um clima mais quente nessas regiões pode viabilizar a reprodução do mosquito durante todo o ano, em vez de surtos sazonais.

O estudo constatou que apenas poucas áreas no extremo Sul do País permanecem sem incidência de dengue. No interior do Brasil, o verão está se estendendo ainda mais, segundo a pesquisa da Fiocruz.

"Em 2023, a gente começou a observar onda de calor no inverno, coisa inédita no clima. Isso disparou o processo de transmissão da dengue em diversas áreas já em outubro e novembro do ano passado", explica Barcellos.

O Sul, principalmente oeste de Santa Catarina e do Paraná, que apresentava baixa frequência de ondas de calor, passou a ter dez dias de temperaturas acima da média por mês. Já na região central, o número de dias com onda de calor varia entre 12 e 30 por mês. Barcellos ressalta que outros países que fazem fronteira com Estados do Sul e do Centro-Oeste, como Argentina e Paraguai, também começaram a apresentar surtos de dengue de forma inédita.

O estudo destaca ainda que áreas de alta altitude, que antes eram consideradas um fator limitante na transmissão do mosquito, agora se tornam zonas suscetíveis à proliferação da doença. O aumento dos dias de ondas de calor, por sua vez, tem entre seus fatores a retirada da vegetação do Cerrado, por exemplo.

"São áreas que estão se convertendo em pasto, grandes plantações. Isso envolve desmatamento", diz o pesquisador da Fiocruz, destacando ainda a perda de Mata Atlântica mais ao Sul. Segundo o artigo, o processo pelo qual o Brasil atravessa pode ser visto como um exemplo do que pode acontecer ao redor do mundo em regiões ainda mais frias, como a América do Norte e a Europa. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram dados de demografia, clima e incidência de dengue dos anos entre 2000 e 2020.

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Urbanização

A alta frequência de ondas de calor somada à urbanização de cidades pequenas e médias que tem ocorrido na região favorece a formação de ilhas de calor. O estudo constatou que regiões com alta incidência de dengue já tinham transmissão da doença, bem como alto grau de urbanização. O inchaço populacional de cidades muitas vezes não conta com a infraestrutura necessária para acomodar as mudanças demográficas.

Faltam boas condições de saneamento e habitação, por exemplo, diz Barcellos, o que favorece o aumento dos casos de dengue. Além disso, muitas dessas regiões não estavam acostumadas com os inúmeros casos de dengue. Por isso, profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros ou mesmo agentes de combate às epidemias, ainda precisam de capacitação para lidar com a doença e seus transmissores.

A expansão da transmissão da dengue parece ser irreversível. Os dados coletados apontam que poucas localidades conseguiram reduzir a incidência da virose após o vírus e o vetor serem introduzidos.


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