Unidade móvel de Saúde oferece testagem para sífilis em Porto Alegre

Unidade móvel de Saúde oferece testagem para sífilis em Porto Alegre

Objetivo do estudo é identificar os principais fatores associados ao aumento de casos da doença

Felipe Samuel

Projeto tem por objetivo identificar os principais fatores associados ao aumento de casos da doença

publicidade

Quem passa pelo Largo Glênio Peres, no Centro Histórico, se depara com um ônibus colorido estacionado próximo ao Mercado Público. A unidade móvel faz parte de uma iniciativa do Hospital Moinhos de Vento, em parceria com o Ministério da Saúde, que visa coletar dados e monitorar estratégias de tratamento e combate à sífilis. O Projeto SIM, realizado por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), tem como objetivo identificar os principais fatores associados ao aumento de casos da doença. No local também são realizados exames gratuitos para o diagnóstico de HIV e hepatite.

Quem aceita participar do estudo recebe o resultado na hora. As pessoas que testam positivo para sífilis são incluídas no protocolo de pesquisa e encaminhadas para monitoramento e tratamento, recebendo já a primeira dose da medicação no local. Responsável técnica pelo Projeto SIM, Eliana Wendland explica que o projeto completou um ano em agosto - após paralisação durante a pandemia - e contabiliza 4,2 mil participantes. Apesar de a unidade móvel permanecer na maioria dos dias no Centro Histórico, em ocasiões específicas o ônibus se desloca para outros pontos da cidade. Eliana cita, por exemplo, ações na Orla do Guaíba e na Restinga.

“A ideia do projeto é a gente testar algumas estratégias para aumentar a adesão ao tratamento e ao seguimento da sífilis”, ressalta. A ideia é encerrar o estudo até o final de 2023, com a coleta de exames de mais 4 mil pessoas, totalizando 8,2 mil participantes. O projeto SIM conta com uma novidade tecnológica para aumentar a adesão ao tratamento, que é um aplicativo game de celular com informações essenciais sobre o paciente e esclarecimentos das principais dúvidas sobre a doença.

Os pacientes com resultado positivo são divididos em três grupos de acompanhamento: pelo aplicativo de celular, por contato telefônico e pelo protocolo atual, que é a indicação do tratamento com orientação de retorno para novas doses de medicação e monitoramento nas unidades de saúde.

Epidemia de sífiles no Brasil 

Com o uso da ferramenta, a ideia é avaliar qual das diferentes medidas de monitoramento está sendo mais eficaz para aumentar a adesão ao tratamento. “São feitos testes rápidos de sífilis, HIV e hepatite B e C nessa unidade móvel. As pessoas que são positivas podem já coletar o sangue aqui mesmo para fazer os exames confirmatórios desses quatro agravos, sífilis HIV, Hepatite B e C. E no caso dela ter sífilis positiva, já faz a primeira dose do tratamento aqui na unidade móvel mesmo”, observa. Conforme Eliana, a sífilis é considerada uma doença reemergente, que passou a apresentar aumento da taxa de transmissão a partir de 2016.

“Como as taxas estavam altas, foi decretada uma epidemia de sífilis no Brasil, que é uma coisa que ninguém sabe disso, mas a gente tem uma epidemia de sífilis no Brasil. O Rio Grande do Sul, especialmente Porto Alegre, é uma das capitais do país que tem uma das maiores taxas de sífilis congênita, que é sífilis em bebês, porque a sífilis é uma doença que pode ser transmitida da mãe para o bebê”, destaca. Conforme o Ministério da Saúde, a taxa de sífilis adquirida em Porto Alegre é de 120 por 100 mil habitantes, a maior do país. A taxa de detecção de sífilis em gestantes na Capital também é elevada, com 57,7 casos para 1.000 nascidos vivos. “A gente tem uma epidemia de sífilis no Brasil”, afirma.

A partir das entrevistas aplicadas aos participantes na unidade móvel, o projeto busca compreender por que as taxas de detecção estão altas ou crescendo tanto nos últimos anos. “A ideia da entrevista é justamente tentar entender quem são essas pessoas que são positivas e por que elas têm essas taxas tão altas”, observa. O objetivo é ampliar o número de participantes além de gestantes e outros grupos. “Se uma gestante foi contaminada por alguém, e essa pessoa não tratar, a gestante pode até tratar e se reinfectar. E vai de novo cair no que a gente chama numa cadeia de transmissão. Esse é o grande problema que a gente tem e não está conseguindo quebrar essa cadeia de transmissão”, afirma.

Segundo Eliana, muitas vezes as pessoas não avisam os seus parceiros que são positivos por vergonha. “São doenças muito estigmatizadas, sífilis é uma doença muito estigmatizada, ninguém gosta de dizer que tem sífilis, ninguém gosta de contar isso nem de fazer o teste para descobrir isso”, frisa. Em um ano de pesquisa, dados preliminares apontam que a contaminação por sífilis independe de idade. “Todas as faixas etárias são igualmente acometidas pela sífilis. Todos os estudos que a gente tem, e outros estudos que avaliam essa mesma temática aqui no Estado do Rio Grande do Sul, mostram que está encaminhando para isso, que não existe uma faixa principal”, destaca.

No que diz respeito à classe social, o estudo revela outro ponto interessante. “Apesar das classes sociais mais baixas terem mais sífilis, a classe social mais alta é a que menos trata, porque tem mais resistência a tratar ou porque a maior parte do tratamento é feita na Unidade Básica de Saúde”, avalia, acrescentando que essas pessoas também têm vergonha de receber o tratamento nesses locais. “E aí gente mantém essa cadeia de transmissão, vai passando adiante, vai passando de novo, se reinfectando”, alerta. Eliana esclarece que a penicilina, remédio usado para o tratamento da doença, pode ser adquirido em farmácias, mas a aplicação precisa ser realizada em outro local.

“É uma doença curável, isso é o mais importante. É uma doença curável e tem um tratamento que está disponível gratuitamente em qualquer Unidade Básica de Saúde que é a injeção. A gente faz aplicação de duas injeções por três vezes e a pessoa está curada”, observa. As pessoas que contraem sífilis podem desenvolver vários sintomas, entre as quais a mais grave: a neurossífilis. “É a infecção do sistema nervoso central por sífilis, que leva à morte. Esse é um dos grandes problemas da infecção neonatal. Essas crianças que nascem com sífilis evoluem para uma neurossífilis e podem ficar tanto com problemas cognitivos importantes como morrer por causa da sífilis”, alerta.

Como a doença é curável, Eliana reforça o apelo para que a população faça o teste disponível na unidade móvel. “A gente precisa passar por cima desse desse preconceito e desse estigma que as doenças associadas ao sexo, digamos assim, têm porque as pessoas ficam muito envergonhadas, têm medo de falar sobre isso, tem vergonha de falar sobre isso e acabam não fazendo teste. Esse é um grande problema pelo qual a gente aumenta tanto a transmissão quanto, por exemplo, a mortalidade por HIV também está associada a esse estigma das doenças. É um tabu. Ela não é mais silenciosa nos homens do que nas mulheres. Ela é silenciosa de maneira geral”, frisa.

Uma doença silenciosa 

Em geral, a sífilis começa com uma lesão primária, uma ferida, que pode dar na região genital. E pode curar espontaneamente em 7 dias. Mas a falta de um diagnóstico pode acabar gerando uma sífilis secundária, terciária, que acaba gerando sintomas sistema nervoso central e em outros órgãos decorrentes daquela sífilis que foi adquirida há muitos anos atrás. “É uma doença totalmente curável, mas é uma doença que a gente considera silenciosa. Se a gente não faz o teste, a gente não descobre”, salienta. Eliana reforça que uma criança só vai adquirir sífilis ou pela mãe no momento do nascimento ou se está sofrendo abuso.

“Crianças abusadas sempre fazem teste de sífilis. Ou se aparecer sífilis numa criança é porque ela está sendo abusada”,, alerta. Atualmente existe a diretriz de testar todas as mulheres no momento do parto para sífilis. “Gestante faz tratamento igual, a mesma coisa para evitar justamente a transmissão. O tratamento não faz mal”, afirma. Na unidade móvel, os participantes podem fazer o teste rápido, que consiste em coletar uma gota de sangue do dedo, a exemplo do exame para diabetes. O resultado sai em 20 minutos. Se der positivo, o paciente precisa fazer um teste confirmatório. O objetivo é verificar se é uma cicatriz de alguém que teve a doença e tratou ou se é uma infecção ativa.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895