Porto Alegre, 3 de maio de 2024: a história se fez diante dos meus olhos

Porto Alegre, 3 de maio de 2024: a história se fez diante dos meus olhos

Cobertura de enchente do Guaíba foi exaustiva, mas necessária

Jonathas Costa

Avanço das águas castigam a Capital

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Eram 3h40min quando, 20 minutos antes do horário programado no despertador, acordei para um dia que, ao que tudo já indicava, seria de muito trabalho. Foram pouco mais de três horas de sono, em uma rotina que desde segunda-feira se mostra necessária, ainda que exaustiva.

Médicos existem para salvar vidas, professores para lecionar e músicos para cantar. Jornalistas, claro, para noticiar. Não há momento mais digno para quem escolhe se dedicar ao jornalismo do que quando um evento de grandes proporções se impõe.

É quando a verdade dos fatos se faz essencial, quando as informações apuradas podem poupar vidas e a agilidade e alcance dos veículos de notícias chega onde as autoridades encontram resistência que o jornalismo se torna indispensável.
Não foi por outro motivo do que o de servir à carreira que julgo ter nascido para trilhar que, mesmo exausto, acordei nesta madrugada, calcei um par de botas, peguei meu celular e acionei o motorista do jornal. Percorremos ruas de Porto Alegre, de Cachoeirinha e de Canoas. Vimos os primeiros sinais de que as comportas estavam cedendo e nos deparamos com ocorrências múltiplas (até mesmo o atropelamento de uma vaga que estava perdida pela freeway).

Ao voltar para o Centro Histórico, uma cena de perplexidade: a casa de bombas na avenida Mauá se rompeu e começou a jorrar água para dentro do Mauá. Dali para frente o que se viu foi o caos.

O Guaíba foi invadindo Porto Alegre. A cidade foi parando. A história estava acontecendo.
Com o celular na mão e o par de botas no pé, saí pelas ruas centrais da cidade. Resolvi, então, entrar ao vivo no Twitter (que eu ainda me nego a chamar de X). Foram 30 minutos testemunhando o que meus olhos tinham dificuldade em crer. Permaneci online até a bateria acabar.

Voltei ao jornal, recarreguei o celular e lancei mão de dois carregadores portáteis. Voltei para a rua. Saí da Caldas Júnior, caminhei pela Mauá em direção ao Comando Militar do Sul, próximo da comporta de número 3 e de lá percorri mais 5 quilômetros a pé. Passei pela Siqueira Campos, Mauá, Júlio de Castilhos, Rodoviária e adentrei na Voluntários da Pátria até a estação São Pedro do Trensurb, no bairro Quarto Distrito, na altura da avenida São Pedro.

Se no Centro Histórico a sensação era de perplexidade, tendo em vista o simbolismo dos prédios da região sendo todos invadidos pelo Guaíba, no Quatro Distrito a sensação era de adentrar em uma cidade fantasma. Insetos e ratos mortos boiando e bueiros vertendo água a uma altura de quase 2 metros.

Narrar as rachaduras vistas no muro da Mauá e a enxurrada invadindo o prédio do Tribunal Regional Eleitoral, entrevistar bombeiros e militares com semelhantes apelos para que a população deixasse a região e ser resgatado por um blindado do Exército pelo risco de colapso em outra comporta, tudo na hora em que acontecia. Estava só, com o celular e as botas. Mas 50 mil pessoas me acompanharam nesta caminhada. Muitos me pediram prudência e atenção onde eu pisava e os locais em que entrava. Estava exausto, mas movido, repito, pelo que acredito ser o que nasci para fazer.


Mais de 16 horas depois do que acordei, terminei de escrever este texto e a edição especial deste final de semana.

Eram 19h40min. Neste horário a água já avançava pela Caldas Júnior em direção a Andradas. O gerador da redação do jornal precisava ser desligado, como medida de segurança. Edição concluída às pressas. A notícia não pede licença para acontecer. Mas neste 3 de maio de 2024, a história se fez diante dos meus olhos. E eu estava lá para testemunhar.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895