Haiti, sem solução ou em extinção?

Haiti, sem solução ou em extinção?

O país segue num estágio de guerra civil, ainda que moderada no atual contexto

Correio do Povo

O país segue num estágio de guerra civil, ainda que moderada no atual contexto

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O Haiti divide com a República Dominicana, no Caribe, a ilha Espanhola, o segundo lugar em que Cristóvão Colombo pisou quando chegou à América, em 1492. Embora ambos os países desfrutem das mesmas condições em termos de clima, paisagens, praias e recursos minerais, a diferença entre ambos é astronômica. Enquanto a Dominicana, de fala espanhola, se constitui num grande centro de atração turística, tem uma renda per capita de 19.290 dólares, a do Haiti, de fala francesa ou crioula, é de pouco mais de 2.000 dólares. Enquanto os dominicanos têm uma estabilidade política, o Haiti tem uma história de décadas de ditaduras, tanto militares quanto civis, governos falidos, conspirações, assassinatos políticos, corrupção, confrarias de narcotraficantes e, como se não bastasse isto, a natureza também conspira com terremotos e furacões.

Agora o país está sob o controle de um chefe de quadrilha chamado Jimmy Chérizier, de codinome Barbecue. Comanda o G-9, um conglomerado de nove quadrilhas, com poder para impedir o retorno ao país do primeiro ministro Ariel Henry e de exigir a sua renúncia, o que foi aceito. O exército e a polícia não são capazes de se impor frente ao caos a que foi levado o país, onde 80% do território está nas mãos da delinquência beligerante. Barbecue é um ex-policial que, quando na ativa, já estava envolto em assassinatos. Há quem diga que seu apelido se deve ao fato de que mandava incendiar casas com as pessoas dentro. Fato que não surpreende, em que o então ditador François Duvalier, o Papa Doc, mandava decapitar seus inimigos e que trouxessem suas cabeças ao palácio presidencial para a prática ritos de vodu.

Em janeiro de 2010, o Haiti foi sacudido por um terremoto que destruiu a capital, Porto Príncipe, e deixou perto de 300 mil mortos. Mal o país tentava se reestruturar, com a ajuda internacional, e uma nova fatalidade se abateu. Uma epidemia de cólera, em novembro daquele ano, que deixou mais de mil mortos e mais de 16 mil hospitalizados. Na ocasião, havia a presença no país da Minustah, a Força de Paz das Nações Unidas, a qual, durante muito tempo, foi composta de tropas brasileiras. Na ocasião, surgiram boatos de que a epidemia de cólera fora trazida ao país pelos soldados nepaleses que então serviam à Minustah. Vários testes foram feitos e não comprovaram tal origem. Porém, depois do boato lançado ficava difícil reverter a situação e as forças da ONU tiveram que deixar o país.

O renunciante chefe do governo, Ariel Henry, havia ido ao Quênia para negociar com aquele país o envio ao Haiti de uma nova Força de Paz em nome da ONU. O que havia conseguido. No entanto, como quando retornou a seu país ficou impedido de chegar, tendo seu avião que pousar em Porto Rico, o governo do Quênia desistiu do envio da força. Ou seja, o país segue num estágio de guerra civil, ainda que moderada no atual contexto, envolvendo os comandados de Barbecue e de outras gangues que querem tomar conta do país. Essas quadrilhas começaram dominando os bairros mais pobres de Porto Príncipe, porém hoje dominam toda a cidade. Os delinquentes queimaram nos últimos tempos delegacias de polícia, lojas, fábricas e até residências. No dia 2 deste mês assaltaram uma prisão e libertaram 3.600 presidiários.

Decorrência dessa situação, o país vive mais uma crise humanitária, com falta de alimentos, medicamentos, água, produtos de primeira necessidade e combustível. E nada chega ao país porque as gangues mantêm fechados o aeroporto e o porto de Porto Príncipe. Em lugar de Henry, assumiu uma comissão encarregada de preparar novas eleições, as quais não têm hoje as mínimas condições de serem realizadas, devido ao quadro caótico que vive o país. Acontece ainda que este chamado “Conselho de Governo” para a transição é composto por lideranças com histórico de participação em golpes de Estado. Vale lembrar que Henry assumira o governo para terminar o mandato do então presidente Jovenel Moïse, que fora assassinado em sua casa, depois de ser amordaçado e torturado. Segundo os informes da agência AFP, somente nestas últimas semanas, 15 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas devido a incêndios e saques. Diante de tudo isto é de se perguntar se este é um país sem solução ou em extinção.


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