Abandono de animais durante o verão é triste realidade a ser combatida

Abandono de animais durante o verão é triste realidade a ser combatida

Prática e outras situações de maus-tratos são crimes previstos em lei

Cristiano Abreu

Abandono de cães e outros animais domésticos aumenta na temporada de verão

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O período de férias, tão aguardado, é também um momento em que cresce um problema social - que ao mesmo tempo é caso de polícia. Entre os meses de dezembro a março, infelizmente é comum o abandono de animais domésticos.

Deixar bichinhos de qualquer espécie sozinhos em casa por longos períodos, muitas vezes amarrado, em gaiolas, privado de comida e água, ou abandoná-los à própria sorte na rua são duas faces de uma prática sabidamente recorrente e tão cruel quanto difícil de dimensionar. Há ausência de números específicos, uma vez que os poderes públicos das diferentes esferas raramente realizam tal monitoramento, o que acaba contribuindo com a impunidade e a implementação de ações que podem transformar esta realidade a longo prazo.

As poucas pistas que surgem chegam por meio de ONGs e voluntários que atuam na defesa da vida animal. A presidente da Associação Rio-Grandense de Proteção aos Animais (Arpa), Eliane Tavares, ressaltou que em dezembro a prática do abandono aumenta expressivamente. “Triplica em relação aos demais meses do ano o número de ligações relatando este tipo de situação, e também casos de cães e gatos deixados em casa, sem comida e água”, avalia.

O projeto Raça Pra Quê, que há sete anos atua de forma independente resgatando cães e gatos em situação de maus-tratos, abandono e negligência nas cidades de Viamão, Alvorada e bairros de Porto Alegre, abriga atualmente 110 animais em sua sede, no Centro de Viamão. A fundadora e coordenadora do projeto, Daiana Testa, lembra que os animais chegam debilitados e feridos, na maioria resgatados das ruas e beiras de estradas. Todos são cuidados, submetidos a tratamentos e, quando saudáveis, são colocados à disposição para adoção.

"Não temos mais espaço para abrigar em nossa sede (motivo pelo qual o endereço é mantido em sigilo). Ainda assim, pagamos um segundo lar temporário para acolher aqueles que necessitam de cuidados e que não conseguimos atender. Apenas isto já mostra que o número de animais resgatados é bem maior do que o de adotados”, diz Daiana, estabelecendo a dimensão do problema.

Canoas tem o cartório de proteção aos animais mais antigo do Estado, funcionando desde 2012. Apesar de ser referência no tema, as ocorrências lá registradas envolvem diferentes tipos de denúncia envolvendo animais, portanto não é um parâmetro preciso para dimensionar os abandonos. O cartório confirma aumento de chamados relacionados a crimes de maus-tratos neste período do ano, porém o titular da delegacia responsável pelos registros preferiu não falar com a reportagem.

À margem do amor

Outro indício deste rastro de indiferença surge a partir de estimativas vindas das autoridades e administradores das rodovias federais e estaduais: o número de ocorrências envolvendo atropelamento de cães, gatos e outras espécies deixadas em estradas, principalmente na região Metropolitana e vias que passam por áreas urbanas.

O número mais atual vem do anuário estatístico da Polícia Rodoviária Federal publicado em 2023, e que traz dados ainda de 2022, quando ocorreram mais de 300 colisões envolvendo animais em rodovias federais gaúchas no período. É importante destacar que o levantamento não separa as ocorrências por rodovias e por espécie envolvida.

Para fazer frente ao problema, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que administra a ERS 040, uma das principais vias de acesso ao litoral Norte, mantém um serviço direcionado para implementar diretrizes protetivas relacionadas ao meio ambiente e aos animais. A concessionária afirma realizar atividades e campanhas de sensibilização para os cuidados e riscos oferecidos, além de placas espalhadas pela rodovia alertando os usuários que o abandono de animais é crime. As ocorrências relacionadas são atendidas em parceira com os Bombeiros Voluntários, que mantém convênio para salvamento e remoção de fauna viva na rodovia, na maioria das vezes de cavalos e bois, incluindo animais silvestres e cães.

De acordo com a CCR ViaSul, ao verificar animais próximos à rodovia, as equipes de tráfego fazem a remoção, de forma a evitar acidentes e direcionam a instituições parceiras com competência técnica para tratamento. A concessionária da BR290 (free way) afirma realizar campanhas educativas veiculadas nos painéis de mensagem variável e que utiliza sistema de câmeras de monitoramento para inibir esse ato.

Adoção responsável reduz maus-tratos

De acordo com a Associação Rio-Grandense de Proteção aos Animais (Arpa), a adoção responsável é um ato de amor que não apenas muda a vida de um animal abandonado, mas também traz inúmeros benefícios para quem decide abrir as portas de seu lar e coração para um novo membro da família.
Também chamado de “adoção consciente” ou “posse responsável”, o termo foi criado para conscientizar as pessoas sobre os compromissos que envolvem a adoção de animais. Isso porque os pets precisam de muito mais do que só ração e água para viver bem.

O procedimento para adoção inclui diversos deveres. Os abrigos e ONGs de proteção animal podem exigir entrevistas, questionários e até mesmo visitas para avaliar os possíveis adotantes e, assim, se certificar de que o animal irá para uma casa adequada.

Daiana Testa, do Projeto Raça Pra Quê, defende que as pessoas têm que se conscientizar que os cães e gatos não são objetos. “Eles sentem fome, frio, dor e merecem ser tratados com dignidade. Todos os animais, independentemente de cor, tamanho, gênero ou raça, merecem todo o nosso amor.”

De abandonado a xodó da praia

Alguns cães conseguem fazer o caminho inverso, mesmo que em menor número. Foi na praia que a dupla Chulé e Alemoa, dois belos e brincalhões vira-latas, viveram a amargura do abandono e a felicidade de encontrar um novo lar.

Primeiro foi a Alemoa, uma simpática caramelo, a surgir na vida do empresário Diego Ricardo Kunz Donner e da mãe, Célia Otília, em 2018. "Ela veio atrás de mim e nunca mais saiu daqui de casa. Deve estar agora com uns 7 ou 8 anos", calcula Diego.

Há três anos foi a vez do Chulé, vira-lata com longa pelagem preta e grande porte, bater à porta da família. "Estava chovendo, ele rodando aqui na rua, ia pra lá e pra cá, era ainda bem bebê. Ele fez amizade com a Alemoa, deitou aqui na frente e ficou. Acordei no outro dia, abaixo de chuva, e ele estava no mesmo lugar. Era para ser nosso, só veio nos trazer alegria.”

Sem saber, a partir daquele dia, o empresário fez a alegria de muitos veranistas da Praia do Araçá, em Capão da Canoa. A começar pelo nome. "Desde filhote ele tem uns patões, uma coisa linda, e o chulézinho de cachorro dele é gostoso. Daí o nome Chulé", revela.

Diego, chulé e Alemoa brincam no pátio | Foto: Cristiano Abreu

Bastante ativo, com nome divertido e cheio de graça, Chulé conquistou a vizinhança. É comum adultos e crianças pararem no portão da casa do Diego para cumprimentar os cães, mas é o peludão quem rouba a cena. Ao ouvir seu nome, chega pulando, encosta na cerca para ganhar carinho e até oferece uma bolinha de tênis, que entrega na mão de quem estiver disposto a jogar para que ele possa buscar correndo e recomeçar a brincadeira. "A bolinha é a fissura dele. E assim foi, virou atração", celebra Diego.

Os estudantes de medicina, Rafaella Pereira Argimon, 21, e Felipe Almeida Marcello, 21, adoram as peripécias do patudo mais famoso do Araçá. "É muito divertido e querido, diz Rafaella.

Antes de adotar, é importante avaliar:

  • Converse com a família: todos precisam concordar com a adoção e compreender as responsabilidades. Uniões estáveis, rompimentos e a chegada de uma criança não são critérios válidos para devolver, doar ou abandonar o animal.
  • Considere sua capacidade de cuidar de um cachorro: certifique-se de possuir tempo para dedicar aos cuidados diários, incluindo alimentação, visitas ao veterinário, passeios e brincadeiras.
  • Pesquise por cachorros que se adaptem ao seu estilo de vida com mais facilidade: se você mora em um apartamento pequeno, por exemplo, talvez um cão de porte menor seja mais adequado do que um grande. Se há crianças na casa, o cão ideal deve ser mais sociável e brincalhão.
  • Tenha certeza de que pode arcar com os custos do animal: além de dedicação e tempo, um cão demanda recursos financeiros.
  • Considere a castração de machos e fêmeas. Além de medida para evitar a reprodução indesejada, o procedimento reduz chance de alguns tipos de tumores.

O que diz a lei

No Brasil, o abandono de animais é é considerado uma forma de maus-tratos, e, portanto, crime desde 1998, de acordo com a Lei Federal 9.605/98. Em 2020, com a aprovação da Lei Federal 14.064/20, teve-se o aumento da pena de maus-tratos com reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, quando se tratar de cão ou gato. A quem pratica atos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, a detenção varia de três meses a um ano e mais a aplicação de multa.

Fiscalização e denúncias de maus-tratos de animais

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) pelo telefone 0800 61 8080 (gratuitamente) ou pelo e-mail para linhaverde.sede@ibama.gov.br. O órgão encaminha os casos para a delegacia mais próxima do local em que ocorre a agressão.
  • Situações de maus-tratos/abandono podem ser comunicadas à Patrulha Ambiental da Brigada Militar, pelo (190) e para as guardas municipais nos municípios em que estão constituídas.
  • Também é possível buscar orientação e auxílio com as secretarias estadual e municipais ligadas ao meio ambiente, bem como departamentos de bem-estar e proteção animal das prefeituras (consulte telefones em sites das administrações).
  • Em rodovias federais, flagrantes de abandono, pedido de ajuda a animal ferido ou em situação de perigo é possível acionar a Polícia Rodoviária Federal pelo telefone de emergência 191.
  • Na free way - CCR ViaSul - telefone 0800 000 0290.
  • Na ERS 040: EGR - pelo 0800 0090 192.
  • Polícia Civil, pelo telefone 181.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895