Pesca colaborativa com botos volta a ser registrada em Torres

Pesca colaborativa com botos volta a ser registrada em Torres

De acordo com professor da Uergs que documentou o fato, este tipo de interação não era registrado há anos no rio Mampituba

Rodrigo Thiel

Momento em que o boto sai da água para avisar aos pescadores do Mampituba que joguem a tarrafa para pescar o cardume que está no rio

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Com parte do corpo para fora da água, o boto realiza um movimento com a cabeça como se estivesse cumprimentando os pescadores, ou como estes chamam, “batem a cabeça” na água. Para estes trabalhadores, trata-se de um aviso de que está na hora de entrar em ação e lançar a tarrafa em direção ao mar.

Depois de anos sem ser registrado na foz do rio Mampituba, o fenômeno chamado de pesca colaborativa voltou a ocorrer neste verão, de acordo com Paulo Henrique Ott, pesquisador do Grupo de Estudo de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars) e professor da Uergs. Em função de sua peculiaridade, a pesca colaborativa entre humanos e botos no rio Tramandaí já se tornou um patrimônio cultural do RS. Entretanto, pela falta de registros recentes, o mesmo ainda não ocorreu em Torres.

O professor destaca que buscará tal reconhecimento também para esta atividade no rio Mampituba. “Devido exatamente à importância histórica, social e ecológica dessa associação, está sendo encaminhado um pedido para o reconhecimento dessa pesca cooperativa como patrimônio cultural da região, Quando Laguna, em SC, e Tramandaí foram considerados patrimônio cultural e material, o Mampituba não foi incluído por se acreditava que esta pesca não ocorria mais. E a gente tá falando de uma coisa única. Nada no mundo se compara com esta interação que a gente vê no Sul do Brasil”, contou.

Segundo Ott, esta iniciativa visa valorizar a comunidade pesqueira do Litoral Norte e ainda auxiliar na proteção dos botos, que estão considerados em extinção. Ele cita que a ação humana também foi responsável pela redução nos registros de pesca colaborativa em Torres e em Rio Grande. “Todo o ambiente foi sendo modificado, principalmente com a construção dos molhes e, por conta disso, perdeu-se o comportamento por parte dos botos”, completou.

Como funciona a pesca colaborativa

Conforme o professor Ott, a pesca colaborativa com botos ocorre há mais de três gerações na pesca artesanal. Durante a pesca, os botos “encurralam” os cardumes na margem do rio e sinalizam, com movimentos fora da água, que os peixes estão em um local propício para a pesca. “Os pescadores aprenderam isso e logo em seguida jogam as tarrafas. Já foram realizados estudos comparando quando os pescadores jogam sem a presença dos botos e, realmente, quando eles pescam junto, normalmente tem muito mais peixes”, destacou.

Por outro lado, os botos também se beneficiam desta interação com os humanos. “Quando o pescador joga a tarrafa na água, os peixes tentam fugir e acabam indo para a direção contrária, onde estão os botos. É evidente que existe vantagem para os dois lados. Só que nem todos eles interagem com os pescadores. Cerca de metade dos botos fazem este tipo de pesca cooperativa e outra metade simplesmente tenta pescar sozinha”, reforçou.

Além disso, Ott conta que muitos botos vivem por mais de 50 anos. Em outras regiões, como em Tramandaí, muitos pescadores já identificam estes animais pelo nome. Para ele, trata-se de uma questão comportamental em alguns botos, transmitido de geração em geração a partir da observação. Este aprendizado acontece principalmente durante o período de amamentação, junto com a mãe, que é quando o indivíduo vai perdendo o medo da interação com humanos ao ver sua matriarca pescando junto.

“De uns anos para cá, a gente começou a perceber que cada vez tinham menos botos que sabiam pescar de forma colaborativa. A gente não sabe o que aconteceria. Se os botos que fazem isso desapareceriam. Ou com quem os novos vão aprender. Então a importância deste registro é ver este comportamento ser transmitido, para que mais botos comecem a fazer também. Afinal, o bacana desta história toda é que ela se mantém ao longo das gerações. Tem pescadores aqui que falam que o avô deles também pescava desse jeito”, finalizou.


Correio do Povo
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