Praias do litoral Norte são refúgio de descendentes alemães durante o verão

Praias do litoral Norte são refúgio de descendentes alemães durante o verão

Nova Tramandaí e Balneário Presidente recebem a alegria e a cultura germânica durante a temporada

Cristiano Abreu

É tradição para as famílias de Renan e Janete o encontro em Nova Tramandaí durante o verão

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Você não verá trajes típicos ou ouvirá uma tradicional bandinha, tampouco avistará bandeiras ou camisas da seleção alemã de futebol. Contudo, para encontrar na beira praia os descendentes do berço germânico que colonizaram o Rio Grande do Sul há 200 anos, basta parar e escutar; o sotaque característico e até mesmo algumas frases pronunciadas no idioma ancestral indicará o caminho. Guiado pelas vozes, então será possível encontrar muita gente feliz curtindo o verão.

Há décadas, gerações de imigrantes alemães aproveitam as férias no litoral Norte. Um destes redutos é a orla de Nova Tramandaí. Por lá, a faixa de areia costuma exibir diversos toldos coloridos, na maior parte abrigado famílias numerosas. E assim, em grupos, conversam, cantam, apreciam a bebida típica - a cerveja - e alegram a todos ao redor.

O marmorista Renan Cutieri Klein, 29 anos, veio de Travesseiro, no Vale do Taquari passar as férias na casa de praia do cunhado. Ele está com mais 11 pessoas, que convivem 24 horas por dia juntos. "Nossa família procura estar sempre unida, por isto, quando a gente dá pra se encontrar a gente se encontra e faz tudo junto", conta.

De fato, todas as 12 pessoas estavam juntas na beira-mar. O grupo dividia um gazebo de nove metros quadrados, tomado por cadeiras, caixas térmicas com bebidas brinquedos infantis e outros pertences dos adultos. Mesmo sob o sol forte do meio-dia, a empregada doméstica Janete Teresinha Ohland, 50 anos, moradora de Ivoti, era a única fora da proteção oferecida pela tenda. "Tem mais de dez anos que veraneamos juntos. Nos divertimos, somos felizes, graças a Deus", diz a moradora do Vale do Sinos, que é tia de Renan.

"A cidade onde eles moram é um pouquinho longe, dá duas horas de viagem da minha, mas sempre quando dá, nos reunimos, aqui ou lá, sempre quando tem festa, aniversário, é muito legal, a galera gosta de dar uma enxugada também, né", revela o festeiro Klein.

O cenário é parecido em Balneário Presidente, em Imbé, praia vizinha e que recebe muitos descendentes de alemães. O construtor Gil Mário de Moura, 39 anos, é de Ivoti e aproveita o verão com a família junto com as famílias dos amigos Toni Cris Schneider, 43, agricultor, e de Alexandre Koch, 40, mecânico, e dono da casa litorânea. "Temos uma amizade “macanuda”, já tem dez anos que nos juntamos aqui na praia. Nos conhecemos e formamos uma banda. Sim, a gente tocava músicas de bandinha", entrega Moura.

Schneider é compadre de Koch e estava em Presidente com a esposa, Sabine, e os filhos, Pedro Henrique e Miguel. "É uma das coisas que não abrimos mão é a amizade", afirma o agricultor, com um sotaque carregado que entrega a origem germânica.

Famílias de Ivoti aproveitam juntas o verão em Balneário Presidente | Foto: Mauro Schaefer

"A gente vem com churrasqueira, senta à sombrinha, as crianças brincam, nós abrimos uma cerveja, ouve música. Comandamos a bebida e a churrasqueira, e as mulheres o protetor solar", avisa Gil Mário.

"De vez em quando a turma sai até no pezinho. Sabe, parece que não tem igual, aqui é tranquilo, a alegria que o povo tem aqui é única", entende Alexandre.

O gosto pela música também é compartilhado pela família da Janete Teresinha e do Renan. "A gente gosta do bailão, né? Das antigas também, de Rick Renner e tals", disse Renan.

"Eu já vou pro lado do gauchesco, de Baitaca. Ah, muito bom... É, esses aí que eu gosto", destacou Dona Janete.

Não há diferença de gosto quando o assunto é a língua ancestral. "Eu nasci numa família alemã, eu me criei falando alemão. Ainda hoje, na minha cidade, pra tu teres um bom emprego, dependendo de com quem tu vais lidar, falando alemão tu vais se criar, vai pra frente", acredita.

Apesar das particularidades do idioma, aprender alemão não foi dificuldade para Renan. "É desde pequenininho ouvindo. Minha mãe fala alemão, meu falecido pai falava alemão; fui criado por duas pessoas de mais de idade que praticamente só falavam alemão, então a gente sabe muita coisa e quando estamos entre a família, sempre sai umas conversas em alemão", resume.

"Wir sind eine traditionelle deutsche Familie und genießen hier in Nova Tramandaí den Sommer", diz Janete, na hora de se despedir. Ou na boa e velha língua portuguesa: "Somos uma família tradicional alemã e estamos aqui em Nova Tramandaí curtindo o verão."


Correio do Povo
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