A cantora sul-africana Gabi Motuba faz sua estreia no Brasil. Nesta quarta-feira, se apresenta em Porto Alegre, com um show acompanhada de sua banda no Instituto Ling (rua João Caetano, 440), às 20h.
Na quinta-feira, dia 30, ela será atração Sesc Jazz 2025,em São Paulo. A cantora e educadora sul-africana Gabi Motuba escreveu a palavra jazz com letra maiúscula em todas as vezes em que citou o gênero nas respostas que enviou para esta entrevista feita por e-mail ao Estadão. Aos 33 anos, nascida em Mamelodi, Pretória, com dois álbuns lançados, Motuba faz um jazz contemporâneo e particular ao misturá-lo com música clássica e ancestralidade africana.
O orgulho que a faz escrever 'Jazz' vem do fato de ela acreditar que, mais do que música, ele pode apontar caminhos para o mundo. Na apresentação, já com ingressos esgotados, Motuba vai mostrar o álbum The Sabbath, lançado em 2024. A cantora dedicou o trabalho a seu pai, que havia morrido. Queria, ela diz, por meio de canções que falam de afeto e cura, que outras pessoas pudessem encontrar nas canções que escreveu resoluções e significados sobre a vida.
'O jazz é uma invenção do povo', diz, ao ser questionada sobre certo elitismo que o gênero assumiu no Brasil, País no qual ela se apresenta pela primeira vez. Isso inclui ainda, segundo Motuba, despir o jazz do capitalismo e usá-lo para desenvolver o homem.
Leia a íntegra da entrevista com a cantora antes de ela embarcar para o Brasil
- Esta é sua primeira vez no Brasil. Quais são suas expectativas sobre o País?
Eu ouvi tantas coisas maravilhosas sobre o Brasil que estou realmente ansiosa para estar aí. Apreciei a beleza dos sons que vêm do País, então, o Brasil já foi bem representado na minha imaginação sonora. Imagino que as pessoas do Brasil sejam vibrantes e cheias de paixão, assim como as pessoas de onde moro atualmente (Johanesburgo). Espero que haja uma conexão orgânica entre mim e os locais, o que eu realmente estou ansiosa para experimentar.
- Uma pergunta clichê, mas necessária em tempos em que plataformas digitais democratizaram a música: você conhece músicos ou cantores brasileiros? Pode compartilhar suas impressões sobre a música brasileira?
Encontrei muita música de Antonio Carlos Jobim. E composições como Chega de Saudade, Favela [ambas de Jobim e Vinicius de Moraes] e Flor de Lis [de Djavan] foram parte da minha educação musical: esses sons foram muito importantes para a minha biblioteca sonora. Minha impressão da música do Brasil é que ela ecoa muito fortemente a identidade tradicional de seu povo, tornando-a muito rica e única em som através dos gêneros.
- No Brasil, o jazz ainda é visto como algo elitista, mesmo ele tendo origem popular. Como podemos mudar essa percepção?
Uma maneira de mudarmos isso é entendendo que o jazz é uma invenção do povo. Ele une de maneira única os sons de sua geografia da forma mais generosa, entre todos os gêneros. Precisamos restabelecer e imaginar o jazz sem os adornos do capitalismo e do Ocidente e enraizá-lo como uma música que procura 'desenvolver uma nova maneira de pensar e se esforçar para criar um novo homem', conforme escreveu de forma eloquente [filósofo político] Frantz Fanon em Os Condenados da Terra.
- O jazz sul-africano é muito único comparado com o que é feito no restante do mundo, já que foi influenciado pela música africana. Gostaria que você explicasse isso para alguém que vai encontrá-lo pela primeira vez em seu show no Brasil.
O jazz sul-africano é generoso, rico, complexo e, acima de tudo, sincero. Nossa música é vibrante e, mais do que tudo, espelha e detém nossa complexa história. Usamos nossa música para comunicar o impossível e para curar os traumas causados pela violência do apartheid e da segregação. Para nós, o jazz é música de protesto. O jazz é música negra. Essa é a nossa linhagem e herança sonora, tornando nossa música pesada e uma experiência sagrada.
- O que você buscava em termos de sonoridade para ‘The Sabbath’?
Como compositora, eu estava procurando um som que pudesse carregar o luto coletivo. Em homenagem à morte do meu pai, eu queria compor um conjunto de obras que comunicasse a perda. Meu interesse pelo som me permite entender a ideia de que cada emoção carrega uma frequência específica e poder revelar essa frequência é começar a suspender seu impacto e permitir que alguém processe sua experiência em tempo real.
- As músicas falam sobre cura e afeto. Por que você decidiu compartilhar suas dores com os ouvintes?
Como eu disse na resposta anterior, acredito que este seja o trabalho de um compositor. Como as famosas palavras de Nina Simone: 'O trabalho de um artista é espelhar a sociedade'. É meu dever criativo sonoro encontrar os sons das experiências que mais nos impactam e identificá-los claramente e tentar expressá-los e articulá-los para que as pessoas encontrem resolução, significado ou cura neles. Como músicos sul-africanos, também estamos de luto pela perda do nosso anterior Ministro das Artes e Cultura, Nathi Mthethwa. Este é um momento difícil para nós e gostaríamos de reconhecer essa perda e dedicar este momento no Brasil para honrar sua memória.
- Sua voz tem algo espiritual. De onde isso vem?
Não tenho certeza, mas acredito que seja um som que me foi presenteado por Deus e meus ancestrais. É um som com o qual mais ressoo e estou sempre animada para compartilhá-lo.
- Quão importante é para jovens como você se interessar e trabalhar com jazz?
É realmente importante. O jazz é o gênero mais ‘livre’ de todos e pode realmente ajudar os jovens a estabelecer novos caminhos, novas culturas, novos sons, novos gêneros, etc.
- Você já declarou que cria arte para mudar o futuro. Você acredita que a música também tem uma função social?
Sim. A música faz parte do nosso dia a dia e nos afeta tanto quanto tudo mais. Não acredito que apenas por meio da música o mundo possa mudar, mas acredito que a música faz parte das ferramentas que podemos usar para espelhar o mundo e aprender com seus princípios fundamentais profundos e, ao fazer isso, quando o momento surgir para criarmos algo novo, teríamos sido claros sobre o que é ‘algo antigo’.