Bastidores do Enart mostram dedicação a toda prova

Bastidores do Enart mostram dedicação a toda prova

A 32ª edição do evento reúne neste final de semana mais de 60 mil pessoas em Santa Cruz do Sul

Jonathas Costa

A 32ª edição do evento reúne neste final de semana mais de 60 mil pessoas em Santa Cruz do Sul

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A 32ª edição do Encontro de Artes e Tradições (Enart) reúne neste final de semana em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, mais de 60 mil pessoas entre competidores, espectadores e organizadores deste que é considerado o maior festival de arte amadora da América Latina. Mais do que celebrar as tradições gaúchas em todas as suas formas artísticas, o evento também simboliza a dedicação de um ano inteiro de grupos tradicionalistas de todo o Estado. São meses de organização, esforço e sacrifícios resumidos em apenas 20 minutos de apresentação.

Chegar à etapa final do Enart não significa ter bom desempenho apenas em cima do tablado. Longe do alcance dos olhares atentos dos avaliadores, a rotina de preparação dos grupos é intensa e se inicia tão logo é encerrada uma edição. Ronaldo Estevo, responsável coreográfico do CTG Tiarayu, que conquistou título inédito ano passado, explica que a concepção da apresentação é debatida com uma equipe e as discussões podem levar até dois meses. Leva-se em consideração a adaptação do tema aos aspectos da cultura gaúcha, a criação do enredo musical e suas possibilidades coreográficas e cenográficas.

Há mais de 20 anos à frente das apresentações do multicampeão Aldeia dos Anjos — são 11 títulos estaduais, oito vices e três mundiais — , Lucia Brunelli divide a etapa de escolha do tema em pesquisa, estudo, concepção, argumento e roteiro. Ela também se faz presente na criação da música. “É realmente uma linguagem diferente e um universo particular.” Os ensaios começam no início do ano, mas são intensificados a partir de julho. Ainda que cada grupo tenha sua particularidade, o esforço e dedicação são similares. Já a paixão pelo Enart é verdadeiramente a mesma.

Assim como no futebol, as categorias de base podem significar um grande diferencial para a composição do elenco principal nos CTGs. As invernadas mirins e juvenis também são apontadas como caminho natural para se chegar ao grupo adulto. Alguns membros acumulam mais de 15 anos de dedicação à mesma camisa, ou, neste caso, à mesma “pilcha”. Quem consegue chegar depois tem pela frente intenso período de adaptação. “É preciso trabalhar em equipe, ter compromisso e saber que é preciso fazer escolhas”, explica Marco Ávila, responsável técnico do Aldeia. Para Ronaldo, os novatos recebem oportunidades, mas é preciso fazer por merecer: “Após o título do ano passado, chegaram seis novos casais aqui no Tiarayu. Destes, dois desistiram e os outros quatro participam dos ensaios, mas ainda não se apresentarão neste ano.”

Alex Fernandes é dançarino do Aldeia desde 2012 e sabe bem o que significa trilhar uma carreira dentro do meio. Hoje com 27 anos, começou nas invernadas aos 17. Neste fim de semana, Alex estará dividido entre a emoção de dançar pelo CTG de Gravataí e a responsabilidade de ser o coreógrafo de outro grupo, o CTG Vaqueanos da Tradição, de Porto Alegre. “Deposito a mesma dedicação nos dois grupos. No Aldeia, faço parte de uma equipe e estou lá para dar o melhor de mim naquilo que sou cobrado. Já no Vaqueanos é o meu estilo, as coisas são do meu jeito”, diferencia ao reconhecer: “Vou para ganhar!” Por quem? Só o tempo ou os jurados dirão.

Desafios

Estima-se que um grupo de invernada adulto competitivo possa custar em torno de R$ 100 mil ao ano. Valores que são aplicados nos custos dos ensaios, dos músicos, das viagens para competir e dos figurinos. No Tiarayu, cada pilcha deve sair em torno de R$ 1,5 mil neste ano, por exemplo. Os vestidos não ficarão por menos de R$ 1,8 mil cada. Quantias que são buscadas pelos próprios membros entre rifas, almoços e festas ao longo do ano.

Os elementos cenográficos levados à final do Enart não são obrigatórios, mas ano a ano eles se fazem cada mais presentes como diferenciais de cada grupo. A criação e a logística dessas estruturas em torno dos ensaios e da própria final se tornam outro grande desafio.

É comum nos CTGs a cobrança de uma mensalidade dos membros da invernada para cobrir alguns dos custos. O pagamento é cobrado também como forma de manter o comprometimento da equipe. “Atrasos nos ensaios ou inadimplência no caixinha pode tirar alguém da dança”, explica Alex. E é justamente a manutenção do moral da equipe em alta ao longo de todo um ano que surge como uma das principais barreiras a serem superadas. Para isso, a agenda de eventos é um importante fator motivacional. Como a final do Enart ocorre em Santa Cruz do Sul, muitos amigos e familiares acabam não conseguindo viajar para assistir a apresentação ao vivo. Neste sentido as pré-estreias ocorrem nos dias que antecedem o festival na sede de cada CTG. Além de ser um grande ensaio geral, o evento também é um termômetro para o elenco. 

Mas sempre podem surgir novos contratempos. As vezes é preciso conviver com o ambiente muitas vezes hostil na vizinhança. Com ensaios que se prolongam na madrugada, não raro os grupos encontram problemas com moradores que vivem próximos aos CTGs. É o caso do Tiarayu, localizado na zona Norte de Porto Alegre, onde o caso foi parar na Justiça. “É apenas um vizinho que reclama e com ele não há conversa. Ele quer o fechamento do CTG a qualquer custo”, resume uma das coordenadoras do grupo de invernada.

O desentendimento, iniciado em 2016, deixou a preparação do grupo ainda mais tensa e acrescentou fatores de dificuldade em uma rotina já nada fácil de se manter. O grupo passou a revezar os lugares de ensaios. “No ano passado chegamos a ter até três lugares diferentes de encontro em uma mesma semana”, lembra Ronaldo. Como eles ainda contavam com elementos cenográficos para compor as apresentações, os deslocamentos ainda exigiam um caminhão auxiliar para o transporte das estruturas. Uma verdadeira peregrinação. Quando o ensaio era realizado na sede oficial, além do horário bastante restrito e o volume baixo do som, os peões só podiam sapatear utilizando tênis. Todas estes empecilhos não conseguiram tirar o título inédito na edição de 2016. “Aqui conseguimos trabalhar muito bem a razão e a emoção. Este certamente é o diferencial deste grupo”, assegura, ao reconhecer a cobrança extra que eles receberam após a título. 

Além da responsabilidade de fazer o cerimonial de abertura do festival do ano seguinte, o campeão ainda tem intensa agenda de shows e apresentações. No caso do Aldeia, somente neste ano o elenco adulto viajou para Coreia do Sul e Catar para representar o Estado em festivais.



 


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