Dentro da sublime decadência do cabaret

Dentro da sublime decadência do cabaret

Com duas sessões lotadas, versão local de “Cabaret” foi apresentada no Teatro de Arena, no último final de semana

Caroline Guarnieri*

A diretora Lara Vitoria também viveu o Mestre de Cerimônias, narrador da peça

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A escola de dança e teatro Swag Complex, de Canoas, apresentou duas sessões do musical “Cabaret” no último final de semana, no Teatro de Arena, em Porto Alegre. O projeto teve direção artística de Lara Vitoria, direção de coreografia de Matheus Costa, direção executiva de Willian Silva, produção de Arthur Bonfanti e adaptação do texto original pelo dramaturgo João Pedro da Cunha, com a participação de quase 50 pessoas entre elenco e staff. Ambas sessões estavam lotadas.

O espetáculo não começava no palco do teatro, e sim no foyer. A plateia foi recepcionada pela turma de stiletto do estúdio, liderada por Arthur, que foi responsável por iniciar o processo de imersão no cabaret. Com colares de pérolas, meias-calças arrastão e leques em mãos, os dançarinos deixaram todos com a curiosidade arregalada nos olhos, conforme o público entrava na sala de apresentação.

A escolha do local fez sentido em diferentes níveis. O formato de arena em que o palco é organizado permite que o público cerce o elenco em três lados. Atores e atrizes chegam tão perto da plateia a ponto de interagir com ela. Isso torna a experiência intimista o suficiente para nos sentirmos, de fato, dentro da sublime decadência do cabaret - onde a promessa é esquecermos os nossos problemas em meio aos copos de gin e à camada de pó acumulada no chão. 

Também não passa despercebido o trabalho da equipe fora de cena. O figurino, com espartilhos e blusas de tule, e a maquiagem marcada de vermelho e azul transportavam a plateia para a Berlim dos anos 1930. As luzes contornavam os personagens e marcavam as tensões da narrativa na hora certa; o som alternava entre as gravações das músicas e as vozes do elenco.

Além disso, o Teatro de Arena, fundado em 1967, é um espaço histórico na capital, que representa a resistência da classe artística perante a ditadura militar. Em “Cabaret”, os personagens vivem o hedonismo da República de Weimar. A protagonista Sally Bowles pode ser lida, de forma simplista, como uma dançarina bêbada que prefere existir na sua versão onírica da realidade do que encarar o que a Alemanha da época estava passando. Frequentemente lhe é atribuída uma certa inocência.

Se as nuances da performance de Liza Minelli no longa de 1972 não são suficientes para convencer o público de que Sally não é ingênua, a versão do Swag Complex é. “O nosso ‘Cabaret’ é uma adaptação da peça original, em que nós nos permitimos ter um olhar mais contemporâneo sobre eventos, figurinos e texto”, explicou o diretor Matheus Costa no início da apresentação. A equipe mostra que, na verdade, temas como nazismo, intolerância, machismo e violência não são exclusivos do século passado, e precisam ser tratados com delicadeza e responsabilidade.

E foi com a dedicação do elenco que essa sensibilidade foi transmitida. O texto, político e atual, foi entregue por atores e atrizes maduros, mesmo com poucos meses de treinamento. A escolha da produção de ter três pares de Sally Bowles e Cliff Bradshaw fez mais sentido ainda no final, quando a cena da separação dos dois foi vivida em dose tripla. 

A produção teve três versões dos personagens Sally Bowles e Cliff Bradshaw | Foto: Ricardo Giusti / CP

Um ator começava a fala, enquanto o outro terminava. Três Cliffs agrediram e três Sallys caíram no chão. Foram três golpes, no corpo e na alma, que geraram um efeito dominó em cada pessoa da plateia, intensificado pela repetição. Logo depois, o elenco completo se reuniu para a cena final. As últimas notas de “Cabaret” foram substituídas por respirações ofegantes de 30 personagens vestidos com pijamas listrados, na última busca por ar antes de serem sufocados pelo nazismo. O público ficou em silêncio.

O cabaret cumpriu com a sua promessa. Durante 1h, esquecemos dos nossos problemas, que não eram bem-vindos na arquibancada. Com um mundo de violência e intolerância do lado de fora, o cabaret se mostrou refúgio. Refúgio para os diferentes, os desajeitados e os excluídos. Quem vem de longe busca conforto em suas quatro paredes, que mostram diversidade de corpos, identidades, mentes e vivências - assim como o grupo que o apresentou.

Confira a entrevista realizada com a equipe do Swag Complex:

*Sob supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


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