Nos dias 18 e 19 de outubro, mais uma edição do Rap in Cena toma conta da capital gaúcha e celebra as diversas expressões da cultura hip-hop. Com destaque para a música, o festival recebe grandes nomes do cenário nacional, entre eles, o rapper belo-horizontino Djonga. Recém indicado ao Grammy Latino por seu último álbum, “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!”, o artista, que já é presença constante no line-up, retorna ao palco do festival neste domingo, no Parque Harmonia.
Em entrevista ao Correio do Povo, Djonga comenta sobre as expectativas para o Rap in Cena, o que o público pode esperar do setlist e a fome que o move.
Como o rap contribui para “matar a sua fome”?
O rap, para mim, foi o que encheu meu prato, falando no sentido literal, ou seja, é o que pôs comida dentro da minha casa, é o que põe comida na casa de várias famílias, na casa dos meus amigos, dos meus outros familiares, enfim. O rap me ajudou, no sentido literal mesmo, a matar essa fome. Fora que ele me deu uma coisa que é, eu não queria falar a palavra poder. Mas assim, me deu, de alguma forma, a liberdade. O megafone talvez que eu precisava para falar o que eu queria falar. E disso eu sempre tive fome também, de falar sobre as coisas que me incomodavam, de alguma forma.
Para além de um Grammy esquecido na estante, o que as duas indicações na premiação de 2025 significam para a sua trajetória, na música e na vida?
Então, pelo tamanho da competição, eu vejo como uma coroação, um prêmio, digamos assim. E aí isso independe de ganhar ou não, mas assim, só tá lá. Eu vejo como uma coroação, um prêmio por tudo que a gente fez até aqui, não só por esse disco. No final das contas, é um reconhecimento não só para mim, mas é uma olhada para o rap, eu acho que nunca foi tão grande como foi nessa temporada do Grammy. Acho que é uma coroação do que a gente fez até aqui, inclusive do movimento hip-hop de um modo geral.
Como suas origens e seu passado refletem na sua arte?
O meu passado vem à tona o tempo inteiro, porque eu vivo no mesmo lugar que eu sempre vivi, tá ligado? Com as mesmas pessoas que eu sempre vivi. Meu meu rolê do fim de semana é não no meio de loucura só. Claro, eu gosto de loucura também, de putaria, eu gosto de tudo, igual a toda pessoa jovem, mas a maior parte do meu rolê é com minha família, com meus amigos de infância. Eu sou muito conectado à minha origem. Então, é muito difícil até entender como passado assim, sabe, certas coisas. Acho que no final das contas é meio que meu presente ainda, meus filhos crescem com uma condição melhor financeiramente falando, mas eles estão no mesmo lugar que eu cresci. Com as mesmas pessoas, os filhos dos amigos, enfim. Então, para mim isso é muito natural.
A fama contribui para que você tivesse mais liberdade criativa ou, de certa forma, criou amarras?
Eu acho que não é a fama que cria amarras. O sucesso, não é que ele cria amarras, mas ele te deixa mais consciente, mais responsável, talvez, vamos dizer assim, pelas suas palavras, sabe? E isso, de alguma forma, passa muito por uns medos que são mais nossos, mais individuais, porque eu acho que apesar da gente ajudar na transformação da mente da galera e tal, a gente não tem tanto essa obrigação de ser entendido toda hora, toda hora tá falando a coisa mais certinha do mundo e tal. Então, é um desafio, um exercício que eu tento fazer. Sempre que eu vejo que eu tô me prendendo, que eu tô tipo com medo de falar o que eu acredito, eu falo: "Não, eu vou falar a parada mais, sabe, direta ali, do que eu quero falar”, porque a gente não pode deixar nossa parada mudar por medo.
Do início da sua jornada na música ao momento atual, você nota uma maior valorização da música preta na cena brasileira? O que há para evoluir?
Eu acho que naturalmente tudo, não só a música preta, tudo aumentou no quesito visualização, nos últimos tempos. Então, se a gente for falar nesse sentido, certeza. Muita certeza mesmo, porque, no sentido números, tudo cresceu muito, e graças a Deus, tá ligado? Mas eu ainda acho que podia ser muito mais valorizado, no sentido de que a gente ainda muitas vezes é colocado num lugar meio folclórico. A gente tem que falar exatamente sobre aquilo, a gente tem que ser exatamente aquilo, porque a galera sempre coletiviza muito a gente. Não coloca a gente como indivíduo, sempre coloca a gente muito de uma forma meio coletivizada. E isso é muito negativo. Então, eu acho que isso é a principal coisa assim que tinha que melhorar. As pessoas começaram a valorizar a gente não como música preta num sentido até talvez pejorativo. E sim, colocando a gente no mesmo lugar de todo mundo.
Qual é o sentido da sua guerra?
Minha guerra, minha fome, sinceramente, é para eu acordar um dia e falar: “pô, independente do que eu fizer, independente do que rolar, a minha família tá bem”. Essa guerra aí, eu vou lutar até quando eu conseguir, sabe? E, de alguma forma, também para cravar meu nome na história, tá ligado? Para falar “Ó, tô aí para sempre”. Depois que eu passar, vão continuar colocando minhas ideias para frente aí no mundo. Todas as lutas que eu, de alguma forma, participei, todas as lutas que eu carreguei ali comigo vão continuar aí no mundo. Esses são os principais motivos de eu continuar na batalha sempre.
Você já passou pelo palco do Rap in Cena diversas vezes. Quais as expectativas para a edição deste ano?
Rap in Cena é minha casa, já passei diversas vezes não só pelo palco do Rap in Cena, mas pelos eventos dos meninos que organizam e sobre a família. Rap in Cena é minha casa, me sinto muito à vontade com toda a rapaziada de Porto Alegre, rapaziada do Rap in Cena. Sobre isso aí, não tem nem muito que falar, o pau vai quebrar, vamos representar como sempre.
Dos seus sucessos mais antigos ao novo álbum, o que o público deve esperar do repertório? O que, para você, não pode faltar no setlist?
Mano, eu tenho colocado nesse show quatro ou cinco músicas do álbum novo e misturado sempre ali com as músicas antigas também e tal, porque eu sei que a galera gosta, e ,se a gente canta só as novas, a galera fica chateada e fala: "Pô, e aquela que fez eu gostar de você, tá ligado?" Então, a gente vai acostumando aos poucos a galera com a ideia das novas no show e, enquanto isso, vamos mesclando. Mas uma parada que eu tenho aprendido é que a gente não pode deixar de cantar qualquer música que seja, com medo da reação do público. A gente tem que criar essa cultura, a gente tem que trazer a parada e, enfim, é isso.
Ouça “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!”
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*Sob supervisão de Luiz G. Lopes