Jeferson Tenório, José Falero e Marcelino Freire discutem interseccionalidade e experiências pessoais nas suas obras na Feira do Livro
Mesa “Diálogos Literários”, mediada por Nanni Rios, lotou o Teatro Carlos Urbim na tarde deste sábado, dia 16
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Estética na relação de gênero, raça e classe, criação de alteridades e perspectivas sobre o lugar do escritor dentro da literatura foram temas que passearam em torno das falas de Jeferson Tenório, José Falero e Marcelino Freire, escritores consagrados na literatura contemporânea, que discutiram suas influências, experiências, inspirações e desafios na produção de suas obras na tarde deste sábado, dia 16, na Feira do Livro de Porto Alegre. O bate-papo que ocorreu com o trio no Teatro Carlos Urbim foi mediado por Nanni Rios, jornalista, livreira e curadora da Livraria Baleia.
Provocados inicialmente a refletir sobre a interseccionalidade entre gênero, raça e classe na produção de suas obras, Falero afirma que muitas porções da elaboração da sua escrita, apesar da preocupação sociológica dos personagens, acontece de maneira espontânea por ter suas vivências intrínsecas na história. “Eu não preciso pensar muito sobre isso porque eu vim de lá, eu sei como é”, ele diz”. “Quando eu começo a contar histórias baseadas na minha experiência social, da minha família, no modo como a gente experimenta o mundo, a maioria vai ser negra, vai ser trabalhadora, vai ser das classes populares. Eu não tenho nem como fazer diferente”. Finalista do Prêmio Jabuti com "Os Supridores" (Todavia), Falero está lançando “Vera” (Todavia), que aborda histórias de mulheres da quebrada que convivem com a violência e opressão da masculinidade tóxica.
Na mesma linha, Tenório, vencedor do Jabuti com “O Avesso da Pele” (Schwarcz SA) discute o entendimento sobre as origens e a busca pela ancestralidade, que, para a população negra, é necessária até mesmo ser inventada, ser uma origem imaginária, como uma espécie de "raiz movente", nas suas palavras. "De Onde Eles Vêm", seu recente lançamento pela editora Companhia das Letras, conta a história de Joaquim, que chega à Universidade por meio das políticas de cotas e depara-se com um ambiente por vezes encantador, por vezes hostil, e tenta manter as relações com suas origens.
"É muito comum isso de os jovens, quando entram na Universidade e vêm de periferia, começam a ter contato com esse mundo universitário e já não conseguem encontrar uma identificação com o lugar de onde veio. ‘De Onde Eles Vêm’ é um pouco isso”, diz o escritor sobre a obra que também aborda intersecções entre raça e gênero.
Gênero e alteridade
Tenório lembra que "Estela Sem Deus" (Companhia das Letras) foi o livro que mais teve trabalho para escrever, e a maior dificuldade foi relacionada à maneira de trabalhar com a questão do gênero. "O que acabou acontecendo com Estela foi, primeiro, entender quem era essa personagem, uma coisa que demora, depois entender que eu tinha limitações, não só de experiência, mas estéticas também", reconhece. O escritor voltou-se à família, à terapia e à escuta e leitura feminina para construir a personagem da obra, e acredita que ela foi fruto de muitas observações. “Talvez seja o resultado de tudo que eu li, vivenciei e conversei que resulta nessa personagem”, reconhece.
Marcelino carrega muito de sua mãe, dona Carminha, considerada ramificação da sua escrita. Desde suas manias e suas rezas até sua voz e sua conversa com o corpo, o escritor usa do ofício para resgatar o que guarda da matriarca e para ter uma espécie de conversa com ela. "O meu texto tem isso, todo ele é uma espécie de restauração dessa fala, em que eu ainda converso com minha mãe", diz.
Falero relaciona a escrita com a vingança na elaboração estética da construção do personagem, principalmente quando se fala de “Os Supridores”. Tal qual Carolina Maria de Jesus dizia como ameaça que iria colocar as pessoas no seu livro, o escritor lembra que desenhava seus personagens de classe média com caricaturas ridicularizadas. Em "Vera", acredita que fez o mesmo com a patroa da protagonista.
"A minha mãe foi faxineira. Tu sentes essa animosidade de classe que tem ali, o tempo todo. Não só de classe, mas de raça também. Igual a minha mãe, colocada em uma posição de subalternidade que não precisava se dizer uma palavra, sabe?", ele compara. "Naquela época, talvez eu não conseguisse pensar isso de maneira elaborada, mas eu sentia que mamãe era forte, tá ligado? Mais forte que aquela mulher", se emociona. Ele lembra, porém, que pensar nas relações de gênero de um lugar que também está de opressão foi um exercício desafiador, interferindo na elaboração estética do seu novo livro.
Referência na literatura LGBT+, Marcelino aborda a estética que vê sendo produzida no Brasil. Perguntado sobre como conseguiu fazer a sua literatura em trânsito, o autor de “Angu de Sangue” (Ateliê Editorial), “Nossos Ossos” (Record) e agora do recém lançado "Escalavra" (Amarcord) lembra que o caminho da literatura LGBT+ foi pavimentado com muita luta, e seu trabalho é inspirado nas palavras de grandes autorias que consolidaram o tema na literatura. "Se eu já transito com mais facilidade é porque João Silvério Trevisan, Caio Fernando Abreu, Waldo Motta e tantas outras pessoas fizeram", reconhece.
*Supervisão de Marcos Santuario