Morre a crítica argentina Beatriz Sarlo, aos 82 anos

Morre a crítica argentina Beatriz Sarlo, aos 82 anos

Morte do marido, o cineasta Rafael Filippelli, em 2023, tinha comprometido o seu ânimo e a sua saúde; Beatriz esteve duas vezes no RS nas últimas duas décadas, em 2008 e 2011

Luiz Gonzaga Lopes

Crítica literária argentina Beatriz Sarlo morreu na madrugada desta terça-feira em Buenos Aires, vítima de um AVC

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Na madrugada desta terça-feira, 17, aos 82 anos de idade, morreu a crítica literária, professora e ensaísta argentina Beatriz Sarlo, devido a um acidente vascular cerebral. Após a morte do marido, o cineasta Rafael Filippelli, no ano passado, o ânimo e a saúde da intelectual estavam comprometidos. O seu último livro publicado, no início de 2024, foi “Las dos Torres”, editado pela Siglo XXI, de Buenos Aires. Trata-se uma compilação de ensaios e conferências, alguns já publicados e outros inéditos. Em meados deste ano ele entregou à sua editora, a Siglo XXI, um folder com o material para o seu próximo livro, que seria de memórias. Protagonista da renovação cultural dos anos 1960 e da transição democrática argentina dos anos oitenta, Beatriz era uma professora capaz de atrair multidões às suas aulas. Apesar de ser crítica literária, foi a força da sua visão política fez dela uma voz indispensável para a análise da situação da Argentina nas últimas décadas.

No Rio Grande do Sul, a crítica, professora e ensaísta argentina esteve duas vezes nas últimas duas décadas. Em Porto Alegre, Beatriz participou em 2008 da segunda edição do Fronteiras do Pensamento, junto com o poeta, crítico e ensaísta Affonso Romano de Sant’Anna. Em 2011, Beatriz foi uma das principais atrações da 14ª Jornada Literária de Passo Fundo, junto com nomes como Alberto Manguel, Pierre Lévy, Roger Chartier e Anne-Marie Chartier. Em 2015, ela esteve na 13ª Festa Literária Internacional de Paraty, quando esteve em mesa sobre o homenageado Mário de Andrade e sobre “Turistas Aprendizes”, com a jornalista Paula Scapin e a escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho. Naquela Flip, ela conversou com o jornalista Luiz Gonzaga Lopes, do Correio do Povo, e aqui reproduzimos duas perguntas e respostas da conversa:

Quem é Beatriz Sarlo?

Beatriz Sarlo - Eu creio que sou uma aficionada por este ofício. Eu também sou jornalista. Posso entender perfeitamente se vale a pena fazer uma entrevista, participar de uma conferência ou não. O meu trabalho original é em literatura. Em um momento difícil para o meu país, eu terminei minha formação em literatura em 1966, mesmo ano do primeiro golpe de Estado no meu país e depois não voltei para a universidade por 18 anos. Por isso é que tenho outros ofícios, também sou editora e jornalista. Meu currículo universitário é ridículo. Voltei como professora titular de Literatura Argentina na Universidade de Buenos Aires. Isto só se explica na América Latina ou na Argentina, uma pessoa ficar quase 20 anos afastada da universidade por causa do governo militar. Nestas duas décadas, eu trabalhei muito em incursões acadêmicas mas fora da universidade. Também escrevi em dois registros, um acadêmico e outro nos meios de comunicação. Escrevi notas de vida cotidiana e estas notas me levaram a escrever um livro chamado "Cenas da Vida Pós-Moderna", que me deu muitas premiações. Esta sou eu. Sou uma espécie de combinação azarosa da história argentina sobre mim. Sou um produto desta história.

Qual é a sua análise sobre a literatura de gênero, principalmente sobre a literatura dita feminina ou feita por mulheres?

Beatriz Sarlo – Os escritores mais lidos hoje em dia (2015) são as mulheres. Isto não é de agora. É uma tradição larga em meu país. As best-sellers da década de 1960 eram Beatriz Rios, Martha Mercader, Silvina Bullrich e Marta Lynch. Por alguma razão, alguém poderia dizer por que tantas mulheres escrevem best-sellers? Assim como na política, ser mulher é uma grande coisa, está na cota, mas supera esta cota, pois ser mulher é melhor do que ser homem. Nos livros, as mulheres vendem muitíssimo. Na América Latina, a escritora mais vendida é a Isabel Allende. Creio que já superou os 40 milhões de exemplares (em 2015). Não há diferenciação entre mulher e homem. Creio que as editoras não fazem esta diferenciação. Acho que pode haver esta distinção quanto aos livros de ensaios, mas não acontece na Argetina pelo menos. As escritoras que não tem nenhuma venda, estas sim são discriminadas. A melhor novela argentina de 2014 é de uma mulher e a do ano anterior também foi de uma mulher, esta será publicada no Brasil, “El Viento que Arrasa”, de Selva Almada (O Vento que Arrasa, obra que foi lançada pela Cosac Naify no mesmo ano de 2015). Porém, quando li a obra, não me passou pela cabeça se o texto era de uma mulher, homem, gay ou trans. Me encontrei com uma escritora que tinha feito o melhor livro do ano no mesmo dia havia mandado uma nota ao Clarín elogiando a obra. Mas não me dei conta que era por ser mulher, mas por ser um bom livro, tinha um personagem feminino forte e um enredo bem assentado. Para mim, não me passapela cabeça esta ideia de diferenciação de gênero. Eu não vejo a literatura deste ângulo. As desigualdades de gênero existem, pois temos mulheres pobres, prostitutas agredidas por policiais, uma funcionária de fábrica ou gerente de banco que ganha menos do que o homem. Não posso olhar a literatura com a distinção de gênero e sim os problemas e as desigualdades sociais. Hoje se alguém me disser a quem eu quero assessorar para presidente da República, digo que seria uma mulher. As mulheres políticas me fascinam e creio que fazem muito bem as suas tarefas. Há ainda profissões que são extremadamente machistas. O dia em que houver uma reitora mulher numa Faculdade de Medicina eu vou fazer uma festa. Já temos uma reitora na faculdade de Direito mais importante da Argentina, a Universidade de Buenos Aires. Já temos uma reitora de 40 anos na Universidade de Córdoba, que é extremamente conservadora. Na Argentina, acho que temos um igualitarismo de gênero maior do que em outros países da América Latina.


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