“O Monstro do Circo” encerra sessões musicadas do Fantaspoa 2023

“O Monstro do Circo” encerra sessões musicadas do Fantaspoa 2023

Acompanhamento musical ficou por conta do guitarrista e compositor Carlos Ferreira e do produtor e designer de som Diego Poloni

Caroline Guarnieri *

Carlos Ferreira (esquerda) e Diego Poloni criaram trilha sonora original que mescla gravações e improviso

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O festival de cinema fantástico Fantaspoa, agora na sua 19° edição, acontece até o dia 30 de abril. A programação inclui curtas e longas nacionais e estrangeiros, entre estreias e clássicos antigos. O festival é um dos pioneiros na América Latina.

Neste ano, o Fantaspoa ofereceu três filmes com acompanhamento musical ao vivo. Além de “O Monstro do Circo” (1927), que encerrou a programação musicada na última quinta-feira, o público também pôde conferir “Frankenstein” (1931) e “O Corcunda de Notre Dame” (1923). “O Monstro do Circo” foi exibido em duas sessões com trilha sonora do guitarrista e compositor Carlos Ferreira e do produtor e designer de som Diego Poloni, no Instituto Ling.

O filme é dirigido por Tod Browning e estrelado por Lon Chaney, em uma das mais aplaudidas colaborações entre o diretor e o ator. Os dois alcançaram juntos o estrelato do cinema mudo na produtora MGM, um dos maiores estúdios da época.

Browning se tornou conhecido pelos filmes de horror com personagens associados a características animalescas e macabras. Deformidades físicas e frustrações sexuais eram recorrentes nas suas histórias, e ganham notoriedade ainda maior em “O Monstro do Circo”.

Na película, o personagem Alonzo (Chaney) é uma das atrações do circo de Antonio Zanzi. Ele é um criminoso fugitivo que finge não ter braços para não reconhecerem suas digitais. No circo, ele atira facas com os pés. Alonzo apaixona-se por Nanon, filha de Zanzi, que tem fobia de braços e não gosta que homens a toquem. Aqui, podemos interpretar que Nanon possa estar reagindo a um trauma de abuso.

Alonzo, obcecado pela moça e determinado a casar com ela, encontra um médico para remover cirurgicamente seus dois braços. Quando volta para a cidade, encontra Nanon noiva de outro homem (após superar sua fobia), e chora ao perceber que sua automutilação foi em vão. 

A expressão de Chaney nesta cena foi um dos pontos mais elogiados na época, e continua chamando atenção até hoje. O ator, que também era maquiador, estava tão acostumado a se transformar para cada personagem que ficou conhecido como “O Homem das Mil Caras” - título do seu filme biográfico de 1957. 

Música

Para acompanhar a exibição, Carlos Ferreira e Diego Poloni criaram uma trilha exclusiva que juntou os pontos fortes dos dois músicos e até deixou espaço para a improvisação. Diego compôs uma base sonora (ou “cama”) responsável por estabelecer o clima geral da narrativa. “No começo de cada cena, eu solto essa cama e depois a gente vai improvisando em cima”, explica Poloni. “Esses ruídos, essas pontuações, a gente vai sentindo e construindo na hora, mas tem como se fosse uma espinha que fica no fundo”.

Os dois nunca haviam trabalhado juntos antes. Sem ensaios formais, a primeira vez que eles tocaram um com o outro foi ao vivo para a plateia. Mas isso não atrapalhou a coesão sonora: enquanto Diego entrava com sons de ruídos e samples que preenchiam a sala, saindo de pontos inclusive ao fundo e aos lados da plateia, Carlos mostrava que era possível reinventar um instrumento. O músico tocou guitarra com dedos, chave de fenda, clipe de papel e até arco de violino.

Ferreira conta que não enxerga a guitarra apenas como um instrumento comum, e sim “como um objeto elétrico que produz som”. Ele entende que “a gente pode fazer várias intervenções de formas diferentes, porque ela basicamente pega uma eletricidade e transforma em som”. Até uma corrente de metal em cima de uma lata de sardinha fez parte da ambientação. 

Dois notebooks, um sintetizador, uma guitarra, diversas aparelhagens e objetos nos levaram de volta à MGM dos anos 20. O som era amplificado e reverberado de uma forma que instrumentos acústicos não seriam capazes de fazer. Em 55min de projeção, o público ouviu o que parecia ser pássaros e águas ao fundo da criação que a dupla de músicos trouxe como releitura do cinema mudo. Carlos garante: “se a gente apresentar 10 vezes, vão ser 10 performances diferentes, porque as pessoas e o espaço influenciam na maneira como a gente dialoga com o som e entre nós”.

Legado

“O Monstro do Circo” trouxe às telas temas a frente do seu tempo. Assédio, machismo e mutilação são abertamente retratados na história, porém com o olhar de 1927, como se espera. Se colocarmos lentes atuais, podemos perceber alguns pontos hoje dignos de debate. O amor de Alonzo pode ser visto como obsessão exagerada. O trauma de Nanon, a princípio, é superado sem explicação; a rápida solução parece ser, pelo menos à primeira vista, o amor do seu noivo. 

Um dos maiores sucessos de Tod Browning na MGM pôde ser apresentado para novos públicos graças ao Fantaspoa. Suas marcas impactaram outra geração de espectadores. O filme também serve para lembrarmos de apreciar as técnicas e truques narrativos dos clássicos de época - e aqui, impecáveis - mantendo em mente de que se trata, justamente, de outra época. 

* Sob supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


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