O Timoneiro da civilização de uma cidade

O Timoneiro da civilização de uma cidade

Confira aquele que talvez seja o último texto escrito por Gelson Radaelli, artista plástico falecido neste sábado, sobre Canabarro Tróis

Radaelli considerava Tonito Tróis uma espécie de zelador da cidade, da cultura e das pessoas, um pouco o que ele também foi com seus amigos, um guia na arte e na gastronomia com seu Atelier das Massas

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O Correio do Povo reproduz aquele que talvez seja o último texto escrito por Gelson Radaelli, artista plástico falecido neste sábado, sobre Canabarro Tróis, o grande mentor da cultura de Canoas, que deu a primeira oportunidade aos cartuns de Radaelli no jornal O Timoneiro, desenhando com o pseudônimo de Gheppo

Gelson Radaelli*

Na década de 70 mudei de paisagem. O paraíso onde nasci troquei pelo cenário nervoso da cidade. O riacho quase sempre manso do fundo de casa; as colinas intactas cheirando a manhãs; as árvores fantasiadas de música e o azul metálico nas panapanás de borboletas, tornou-se gris. Em um momento tal da minha adolescência eu estava cravado no cimento encardido de Canoas. 

Cidade violenta na época. Conflitos entre gangues feriam o dia a dia da comunidade, aterrorizavam nativos e surpreendiam de maneira assustadora aqueles que chegavam desavisados para ali residir. Era um procedimento da turma do Sapinho, depois de decapitar desafetos, atirar a cabeça da vítima à porta da casa dos familiares dentro de um saco, ou pendurar pedaços nas passarelas da avenida Getúlio Vargas. Essas cenas nunca vistas nos filmes mais violentos eram narradas pelos vizinhos da rua. Mas mesmo no mundo agressivo é preciso preservar ideias e procedimentos que nos mantém navegando. A pintura - ofício que escolhi ainda criança - sempre foi o escafandro para mares imperfeitos.

Nessa paisagem conheci o Tonito Tróis, uma espécie de zelador da cidade, da cultura e das pessoas. Percebi a Canoas civilizada através do seu O Timoneiro, nas sua luta, não só para humanizar, mas também para levar às pessoas os benefícios da arte. Publiquei no seu jornal alguns cartuns e tiras que eu assinava com o pseudônimo Gheppo. Mostravam um pouco da obscura relação entre indivíduos na sociedade da época, politica, dinheiro e trapaças, assim como é hoje. O editor, muito crítico com as relações de poder, vibrava com as ideias e jamais censurou qualquer rabisco. 

Em um sobrado, na parte alta da cidade, ficava localizada a nossa ilha de Creta, a Republica das Artes. O lugar reunia os amantes da música, da poesia, do cinema, da literatura, das artes plásticas. Artistas produziam na casa, discutiam e se deleitavam com essa exercício que propõe transcendência às pessoas. Ensaiávamos uma cidade melhor, menos bruta. Ali o jornalista/escritor humanista Tonito Tróis era o nosso timoneiro.

* Artista plástico. 

 


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