Pasolini, o poeta assassinado, completaria 100 anos

Pasolini, o poeta assassinado, completaria 100 anos

O artista foi assassinado em 1975, em uma praia de Ostia, perto de Roma

AFP

Pasolini dirigiu 23 filmes, incluindo o transgressor "Salò ou os 120 dias de Sodoma", uma livre adaptação do livro do Marquês de Sade

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Pier Paolo Pasolini completaria 100 anos em 5 de março. Resta a obra do 'enfant terrible' da literatura e do cinema italiano, cujo assassinato em 1975, nunca esclarecido, continua a alimentar sua lenda.

Poeta, escritor, cineasta, dramaturgo, crítico, ator, jornalista, "PPP" deixou uma grande obra, marcada pela pesquisa formal e compromisso político. Uma espécie de evangelho escrito por um apóstolo agnóstico, marxista e gay.

"Mais do que tudo perdemos um poeta, e não há tantos poetas no mundo", afirmou o amigo Alberto Moravia, autor de "O Desprezo", durante o funeral oficial em 5 de novembro de 1975, três dias após sua morte. 

Em 20 anos de atividade artística, Pasolini, comparado com frequência a Jean Cocteau ou Jean Genet, provocou violentas controvérsias por suas críticas à burguesia, à censura cristã e à ameaça neofascista. 

Seus versos, sua prosa, seu teatro, seus filmes e as muitas crônicas constituem uma poética sombria na qual o amigo de Jean-Luc Godard e Federico Fellini questiona a modernidade de uma Itália ao mesmo tempo milenar e adolescente.

Ainda rural e pobre, o país começava a descobrir os eletrodomésticos, a televisão, o automóvel individual, mas também o desemprego, os bairros marginais, as classes desfavorecidas. 

"Lincoln aboliu a escravidão, a Itália a restabeleceu", afirma o protagonista de "Accattone- Desajuste Social", seu primeiro filme, de 1961, sobre um cafetão da periferia, no qual Pasolini retrata o "milagre econômico" do ponto de vista dos esquecidos e marginalizados. 

"Buscou durante toda a vida um mundo arcaico, pré-industrial, pré-globalizado, que considerava inocente", explica à AFP a escritora italiana Dacia Maraini, amiga do artista, coautora do roteiro de "As Mil e Uma Noites" (1974). 

"Escandalizar é um direito" 

Pasolini tinha fama em seu país por suas coleções de poemas ("L'usignolo della chiesa cattolica", "La nuova gioventù" e sobretudo "Le ceneri di Gramsci"), mas no exterior ganhou fama com o cinema. 

Ele passou do realismo ("Accattone", "Mamma Roma") à adaptação simbolista (Boccaccio, Sófocles, Sade). Dirigiu 23 filmes, incluindo o transgressor "Salò ou os 120 dias de Sodoma", uma livre adaptação do livro do Marquês de Sade, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, lançada três semanas após seu assassinato.

Também dirigiu "O Evangelho Segundo São Mateus" (1964), vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, "Teorema" (1968), "Medeia" (1969) com Maria Callas, "Decameron" (1971), premiado em Berlim.

Seus livros ("Meninos da Vida", "Uma vida violenta") falam de seu fascínio, sua atração pelos jovens, pela língua particular dos subúrbios romanos que o recordava a língua materna da região de Friuli e seu início como poeta dialetal. Em "Teorema" desmonta uma família burguesa, com qual apresenta um exemplo de tudo que o aterrorizava.

Seu ciclo de romances termina com o inacabado "Petróleo", cujas revelações contidas em um capítulo supostamente perdido pode ter provocado sua morte, de acordo com uma de muitas teorias.

Em sua última entrevista, concedida em Paris a Philippe Bouvard, em 31 de outubro de 1975, Pasolini resume seu credo: "Escandalizar é um direito. Escandalizar-se é um prazer". 

Martírio ou crime político 
Pasolini foi assassinado na madrugada de 1 para 2 de novembro de 1975 em uma praia de Ostia, perto de Roma. A Itália vivia os "anos de chumbo". Terroristas executavam assassinatos e atentados. 

Um garoto de programa de 17 anos, Pino Pelosi, foi o único condenado no ano seguinte pelo crime. Ele disse que brigou com Pasolini porque rejeitou suas insinuações sexuais. Anos depois, ele mudou a versão, que nunca teve muito crédito na Itália. Crime de membros de gangues aterrorizados ou assassinato político-mafioso? Talvez os dois ao mesmo tempo. O enigma permanece intacto.

"Houve duas interpretações simultâneas de sua morte, ou um martírio totalmente de acordo com sua poesia e o lado sombrio e suicida de certos textos, ou um crime político", analisou para a AFP o escritor francês René de Ceccatty, seu biógrafo e tradutor. 

De qualquer forma, isto é reducionista: "Transformá-lo em uma vítima política o envelhece, transformá-lo em vítima sacrificial empobrece sua obra, porque é um trabalho muito sombrio, ao mesmo tempo que está cheio de vitalidade desesperada", explica.

Muitas homenagens serão organizadas nos próximos meses, tanto na Itália como no exterior. Uma retrospectiva de seus filmes foi programada em Los Ángeles até 12 de março graças a um acordo entre Cinecittà e o Academy Museum of Motion Pictures. 


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