Polêmico, novo filme de José Padilha rompe maniqueísmo entre vilões e heróis

Polêmico, novo filme de José Padilha rompe maniqueísmo entre vilões e heróis

"Sete Dias em Entebbe" foi apresentado nesta segunda no Festival de Cinema de Berlim

Correio do Povo

Daniel Brühl (esquerda) e Rosamund Pike (direita) protagonizam o longa

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O cineasta José Padilha apresentou nesta quinta-feira seu longa "Sete Dias em Entebbe" no Festival de Cinema de Berlim, dividindo a opinião da crítica e sem medir palavras durante sua coletiva de imprensa. O filme toca em dois dos assuntos mais polêmicos da atualidade, terrorismo e o conflito entre Palestina e Israel, ainda que recrie o sequestro de um avião da Air France, por militantes pró-Palestina, que havia decolado de Tel-Aviv, ocorrido em 27 de junho de 1976. “Quem disse que terrorista não é gente?", questionou o diretor carioca durante a entrevista. "O que os terroristas fazem é indefensável, é crime, mas eles não são zumbis. Eles têm consciência do que fazem", completou.

O longa acompanha a missão de resgate bem-sucedida da aeronave, cuja rota havia sido desviada para Uganda (então sob o regime do ditador Idi Amin) e dos mais de 100 passageiros a bordo, no dia 4 de julho, por parte das Forças de Defesa de Israel, no que ficou conhecido como “Operação Entebbe”. Os sequestradores exigiam a libertação de um grupo de 53 terroristas presos, mantendo como reféns todos os passageiros israelenses ou judeus, e ameaçavam explodir o avião. No filme, no jato raptado, há armas nas mãos de dois alemães que comandaram a ação: Wilfriëd (Daniel Brühl) e Brigitte (Rosamund Pike).

"Eu gostei imediatamente da história. Meu primeiro filme foi um documentário chamado ‘Ônibus 174’, sobre o sequestro de um ônibus. Então, quando eu vi Entebbe, pensei ‘ok, eu sei como fazer isso’. É a ideia de olhar para um evento e tentar analisá-lo em um contexto social", disse. "Em ‘Ônibus 174’ você tinha um garoto de rua, e você olha o que ele fez dentro do ônibus e no comportamento da polícia do Rio de Janeiro do lado de fora, e chega a uma conclusão sobre a realidade social. A mesma coisa vale para ‘7 Dias em Entebbe’. Se eu olhar para o comportamento dos sequestradores, dos reféns e para o comportamento dos políticos de Israel, em particular para Ytzhak Rabin (primeiro-ministro) e Shimon Peres (ministro de Defesa), você pode entender o conflito entre Israel e Palestina como um todo", explicou.

O diretor acrescentou que, "neste conflito recorrente, é muito fácil para os políticos se apresentarem como protegendo as pessoas contra o inimigo". "Mas uma vez que você enquadra o outro como inimigo torna-se difícil de negociar e isso ainda é verdade hoje. Há um estado de medo constante em populações israelenses e palestinas por causa do conflito e esse medo é dominado por políticos de direita, como Trump, que quer construir um muro para defender o americano de quem sabe quem".

O cinesta, que levou o piloto real do avião, Jacques Lemoine, para a Berlinale, afirmou que respeita "muito a visão de pessoas que estiveram lá e viveram o episódio". "Em minhas pesquisas, cheguei a ir a Israel encontrar testemunhas do que aconteceu no galpão do aeroporto de Entebbe. Eu consegui falar com alguns dos passageiros que estavam naquele voo e foram feitos de reféns. Eles chegaram, inclusive, a indicar a posição em que as vítimas das balas caíram no chão, que eram marcadas no set", disse.

Rebatendo as críticas de que o filme apresenta um tratamento crítico à política israelense, sobretudo na figura de Shimon Peres, vivido por Eddie Marsan, ele afirmou que queria fazer aqui um filme com diferentes pontos de vista e não só retratar os soldados de Israel como heróis como outras obras fizeram. "A maioria das versões que conhecemos sobre o episódio é contada pela perspectiva dos militares israelenses. O país vive em estado constante de medo por causa de sua relação com a Palestina, estimulado por políticos que são eleitos dizendo 'Votem em mim que eu defendo vocês'”, analisou.

Ele também explicou a aplicação de momentos de balé contemporâneo para calçar sua narrativa. "Num determinado ponto da história de Israel em que o dinheiro para investir em ampliação do parque militar diminuiu, Ytzhak Rabin investiu mais na cultura, sofisticando a arte. Trouxemos a dança pro filme numa tentativa de mostrar a força da arte. O espetáculo de dança mostra pessoas tirando suas vestes como se estivessem se livrando de suas tradições. A única pessoa que não aceita se despir de suas tradições fica sempre caindo no chão, num gesto de violência. A coreografia é uma forma de mostrar algo belo da cultura israelense", disse, antes de completar que o Estado de Israel deveria apoiar mais as causas culturais.

Padilha, que em 2008 venceu o Urso de Ouro no evento - cujo júri naquele ano foi presidido pelo diretor franco-grego Costa-Gavras -, comentou que está contente com as comparações com os trabalhos deste. "É um diretor de esquerda que se tornou uma voz fundamental no cinema da América Latina, graças a filmes como 'Missing'. Qualquer comparação a ele me deixa feliz", falou. Ele ainda comentou o fato de não ter dependido de Hollywood para rodar este projeto (é uma produção inglesa). “Não é um projeto hollywoodiano porque quisemos fugir da intervenção dos estúdios. O objetivo não é construir ou desconstruir heróis, mas sim mostrar a complexidade do evento e, por meio dela, debater assuntos que transcendem o que aconteceu em Entebbe", finalizou.

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