Por que tendências de moda e beleza agora têm nome de comida?

Por que tendências de moda e beleza agora têm nome de comida?

Entenda como as estéticas inspiradas em alimentos estão redefinindo o mercado com experiências sensoriais

Giovanna Reis*
LipHoney, da FRAN, Brilho Labial Moranguinho, da Avon, e Peptide Liptin, da Rhode, respectivamente

LipHoney, da FRAN, Brilho Labial Moranguinho, da Avon, e Peptide Liptin, da Rhode, respectivamente

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As tendências de moda e beleza têm ganhado um toque “saboroso” nos últimos meses. Termos como “strawberry makeup”, “latte makeup" e “glazed donut nails" começaram a chamar atenção nas redes sociais, despertando a curiosidade do público.

Essas estéticas inspiradas em alimentos não são escolhas inusitadas, mas uma ténica bem planejada para reter a atenção dos consumidores, conectando pontos visuais e sensoriais com algo universal: a comida.

A escolha da cor de 2025, a Mocha Mousse, mostra como essa estratégia continua ganhando força no mercado. Com a junção do tom do café (mocha) e a cremosidade da sobremesa (mousse), a tendência segue firme desde o final de 2023, quando a Pantone anunciou o Peach Fuzzy como a cor de 2024, remetendo à suavidade visual e tátil do pêssego.

Conhecida mundialmente por sua influência no design, moda e beleza, a Pantone faz previsões anuais baseadas em análises de tendências culturais, sociais e de consumo. Para a especialista em tendências e hábitos do consumidor, Paula Bragagnolo, essas escolhas demonstram a intenção de passar essa sensorialidade, explorando a ludicidade das sensações.

Em meio a tantos lançamentos e collabs que unem beleza e gastronomia, a marca FRAN, da influenciadora Franciny Ehlke, lançou um gloss com extrato de favo de mel na última semana. O LipHoney, inspirado na tendência da sinestesia, reforça a sensação reconfortante, trazendo texturas e tons que remetem à comida.

👄 “Mescla de sensações”

Esse apelo sensorial é ainda mais relevante para negócios nativos e exclusivos do meio digital. Um exemplo é a Rhode, linha de beleza da influenciadora Hailey Bieber, que popularizou o “strawberry makeup". “São marcas que não têm loja física, então, não têm como impulsionar o teste do sabor, da embalagem e do cheiro do produto”, comenta Paula, que também é diretora criativa da PGB Inteligência, empresa focada em pesquisa de tendências.

Ela descreve a sinestesia como “uma mescla de sensações, tudo acontecendo ao mesmo tempo e, principalmente, conexão entre essas sensações. É uma combinação que tem tudo a ver com a humanização e a identificação da pessoa, tornando essa experiência cada vez mais curada e pessoal.” Para essas marcas, a sinestesia torna-se uma ferramenta poderosa na decisão de compra.

Entre os sentidos, o olfato tem um papel único no despertar de memórias e emoções. Estudos mostram que o cheiro é o sentido mais diretamente conectado ao sistema límbico, responsável pelas emoções e memórias. No varejo, essa conexão é amplamente utilizada em estratégias como a criação de fragrâncias exclusivas para lojas físicas. “O cheiro é o que mais inspira a memória nas pessoas”, ressalta Paula.

No ambiente, online onde a experiência sensorial é limitada, o marketing das marcas tenta traduzir esses elementos para seus produtos por meio de cores, embalagens, texturas e até nomes que provocam sensações já conhecidas. Essa abordagem busca compensar a frieza da interação e compra online, criando uma conexão emocional mais forte com os consumidores.

“Eu adoro a palavra sinestesia. A gente aposta na PGB como novo marketing 5.0. Em uma época em que a gente tem Inteligência Artificial criando e se relacionando com a gente, precisamos de mais humanização. Os próximos anos estão pautados nisso. Quando a gente fala em experiência, falamos em experiências sensoriais, porque é o que nos torna humanos. Sentir, se arrepiar, sentir cheiro, ouvir uma música. A sinestesia vem com esse propósito,” explica.

Foi-se o tempo em que o produto era o suficiente para motivar uma compra. Hoje, os consumidores desejam experiências que combinem memórias, personalidade e emoção, estimulando as empresas a desenvolverem táticas adaptadas para esse novo cenário de consumo.

😋 Apetite insaciável por novidades

O rápido surgimento de novas tendências levanta questões sobre acessibilidade e inclusão. Termos como “bergamote hair" frequentemente aparecem em inglês e ganham alcance global graças à internet, mas podem excluir parte do público que não se conecta diretamente com essas expressões. A especialista em tendências aponta: “As marcas que lançam essas terminologias são todas gringas. No Brasil, recebemos esses neologismos adaptados à nossa própria língua.”

No entanto, exemplos como a colaboração entre a sorveteria Bacio di Latte e a marca de moda íntima Hope mostram que é possível traduzir tendências globais para contextos nacionais. Em dezembro, elas lançaram uma coleção de moda praia inspirada nos sabores dos gelatos italianos famosos no Brasil.

Tons como o verde pistache, rosa creme de morango, amarelo creme de maracujá e branco do sabor Bacio di Latte foram usados para conectar a moda às raízes culturais brasileiras, mantendo a relevância para o público local.

A velocidade com que essas tendências ganham destaque e desaparecem também chama atenção. Redes sociais como TikTok moldam o mercado em questão de dias, transformando estéticas em fenômenos instantâneos que logo são esquecidos.

“O mundo da beleza tem tendências muito rápidas. A ‘strawberry makeup’, a ‘clean girl’, o ‘mob wife’, isso tudo aconteceu só em 2024. São tendências difíceis de acompanhar”, considera Paula Bragagnolo.

Esse ritmo frenético afeta a indústria, que precisa adaptar suas estratégias constantemente, e aos consumidores, que enfrentam saturação e cansaço diante de tantas novidades. Ao mesmo tempo, surge o alerta para o impacto ambiental do consumo desenfreado, evidenciando a necessidade de práticas mais sustentáveis e conscientes no setor.

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↩️ Nostalgia como antídoto

Em tempos de excesso de informações, produtos que resgatam memórias e referências do passado têm conquistado cada vez mais espaço no mercado. A palavra do ano de 2024, brain rot (apodrecimento do cérebro, em tradução literal), escolhida pelo Dicionário de Oxford, reflete o impacto da sobrecarga mental que muitos consumidores enfrentam. Nesse contexto, elementos nostálgicos aparecem como uma forma de refúgio emocional.

Um exemplo do mercado de beleza é o relançamento do brilho labial em formato de morango da Avon, ícone da década de 1990 e 2000. Com seu formato e aroma característicos, o produto combina nostalgia e sinestesia, provocando sentimentos de segurança e conexão emocional.

Paula explica que “o consumidor volta para essas tendências quase que para se ancorar em alguma coisa, para se prender a algo do passado, em tempos mais ‘calmos’”.

⚖️ Equilíbrio entre tendência e identidade

Para evitar a saturação e manter relevância no mercado, é essencial que as empresas compreendam sua identidade antes de aderir a qualquer tendência.

“O que a gente sempre pontua é a importância das marcas entenderem o seu DNA, o seu público e a tendência. São esses três pilares que são essenciais para desenvolver uma ação ou um produto legal e ter sempre consistência”, enfatiza Paula.

No ambiente digital, onde a experiência sensorial é limitada, a criatividade se torna indispensável para transmitir emoções e criar conexões mais profundas. A fundadora da PGB Inteligência observa que o e-commerce muitas vezes oferece uma interação “fria”, exigindo procedimentos mais inovadores: “O primeiro movimento que a gente vê são as marcas se ancorando em comida, mas eu entendo que teremos outros.”

Embora essas técnicas ainda atuem principalmente no inconsciente do consumidor, Paula acredita que essa dinâmica está mudando. Com o tempo, consumidores tendem a se tornar mais conscientes e exigentes, o que demandará das empresas uma constante reinvenção.

O grande desafio para o marketing será desenvolver estratégias que vão além das tendências passageiras, equilibrando inovação, autenticidade e conexões emocionais duradouras. “Quem está atento ao consumidor o tempo todo, em conexão com ele o tempo todo, consegue sair na frente.”, finaliza a jovem empreendedora gaúcha.

*Sob supervisão de Camila Souza


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