Teto de gastos não é uma estupidez

Teto de gastos não é uma estupidez

Por: Rafael Gonçalves*

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Após o processo de abertura política e democrática, culminada no advento da Constituição Federal de 1988, e, na sequência, a partir de 1994 com o fim do processo hiperinflacionário, em decorrência da consolidação do Plano Real, passamos a adotar regras mais claras, objetivas e factíveis de mecanismos de controle fiscal, que foram evoluindo e se aperfeiçoando. No Brasil, o teto dos gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com sua meta de resultado primário e a regra de ouro, formam o conjunto de regras fiscais que norteiam a política fiscal do país.

Apesar de um fácil processo de implementação legislativa no governo Michel Temer em virtude do cenário econômico de recessão aguda na época de sua discussão, na opinião pública, o teto de gastos sempre foi alvo de muito debate. Os argumentos vão desde uma total e irrestrita objeção ao mecanismo, uma vez que ele seria um impeditivo ao aumento dos gastos públicos, a uma postura dogmática e intransigível em que qualquer mínima flexibilização na regra significa uma ruptura na responsabilidade fiscal.

A equipe econômica do novo governo, comandada por Fernando Haddad, já sinalizou que pretende descontinuar o uso da âncora fiscal atual, abandonando o teto de gastos, modificando o atual arcabouço fiscal do país. Segundo o atual presidente da República, o teto de gastos é uma "estupidez" e deve ser deixado para trás. Em contraponto, recentemente explicou Henrique Meirelles (o pai do teto) que a melhor forma de ancoragem fiscal de um governo é o controle sobre despesa/gasto, uma vez que, sobre receitas e outras variáveis, o governo não consegue previsão e controles seguros e estáveis.

Uma vez que o aprimoramento no teto fosse introduzido em nosso arcabouço fiscal, a previsibilidade dos gastos públicos seria mantida, os casos de flexibilização, que se mostram atualmente frágeis, seriam sanados. Assim, o desgaste político de que, a cada situação fora do padrão, o governo tenha a necessidade de enviar uma PEC ao Congresso Nacional, que, muitas vezes, é erroneamente entendida pelo mercado e casuisticamente pela oposição como quebra da responsabilidade fiscal, estaria resolvido.

Portanto, a manutenção do teto de gastos como âncora fiscal mostra-se o instrumento mais sensato, eficaz e seguro para lidar com as contas públicas. Fazendo as devidas alterações na busca de seu aperfeiçoamento, não há necessidade de retrocedermos em termos de responsabilidade fiscal e abandonar um sólido e constitucional controle dos gastos públicos, sob risco de um retrocesso de um arcabouço fiscal infraconstitucional e excessivamente flexível, sem real ancoragem, perdendo previsibilidade, credibilidade e causador de desgaste político.

*Advogado e comentarista político


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