A tristeza que verte dos arrabaldes

A tristeza que verte dos arrabaldes

publicidade

Arrabaldes

Meu coração interiorano bate e sofre por essa gente humilde que sobrevive pelos arrabaldes das nossas pequenas cidades do Interior e ao redor da Capital, nas vilas, nas ilhas, lutando todos os dias por um prato de comida. Dentro dessas casinhas de madeira apodrecida, erguidas sobre úmidos pátios cercados por taquara, cercadas de lixo, moram trabalhadores de sol a sol, changueiros, biscateiros, muitos deles vindos com a família inteira dos fundões de campo, fugindo do desemprego e das mudanças socioeconômicas da nossa agropecuária, cada vez mais mecanizada. "São os novos tempos", alegam os patrões, enquanto os despacham sem dó nem piedade. Sem alternativas, vão engrossar o contingente das periferias de pequenas, médias e grandes cidades.

Eu os conheço bem porque vivi ao lado de deles, por entre eles, convivendo diariamente com suas angústias e medos. São antigos tratoristas, lavadeiras, cozinheiras, peões de estância, hoje já apartados do lombo dos cavalos, dos fogões campeiros, andando agora de bicicletas, sacolejando nos velhos ônibus que cruzam essas esburacadas e embarradas  estradas do Interior. Quando arrumam um serviço temporário, porém mais longe, passam semanas longe de casa, distantes das companheiras, sem ver os filhos. Têm olhos vidrados de dor e de desesperança essa gente que batalha com todas as suas esgotadas forças por um real minguado.  É duro, meus amigos, um pai de família voltar para casa com vergonha de não ter como comprar a comida. Ou uma mãe ouvir o filho pequeno chorar sem ter o que oferecer. No bolicho da Vila Rica eu os atendia, nos fins de tarde e me apiedava deles, os que vivem sem trabalho fixo, os sem gleba, os sem amparo, os que andam ao léu, os sem nada. Minha humilde escrita sempre será para eles, para que possam melhorar de vida, para que tenham trabalho e um pão quentinho sobre a mesa.

Dentro desses casebres tem uma alma esquentando uma comida estragada, fervendo um osso, dando uma água com açúcar para uma criança, tentando salvar seus rebentos com frio e fome.  Enquanto nos sites, nos jornais, nos rádios e nas tevês pululam notícias de gente que desvia verbas, compra imóveis, aplica montanhas de dinheiro no exterior, tudo à custa do dinheiro público, às expensas desse povo sofrido, maltratado e que em função disso, fica sem saúde, sem educação e sem trabalho digno. Ah, também me corrói a alma ver as crianças sem estudar, os guris sendo cooptados pelo tráfico e as meninas sendo abusadas e depois se perdendo na vida, vítimas de homens sem escrúpulos.

E ali, olhe bem,  está um recém despachado, ainda de bombacha, palheiro apertado nos beiços, tomando um mate. Se "alembrando"  dos tempos em que apartava novilhos na coxilha, que desenrolava o treze braças e o soltava numa armada grande, de quando fazia proezas numa cancha de tava e até mesmo quando voltava do rancho da prenda que amava.  Mas não, agora são novos tempos. Agora ganha uns pilas fazendo fretes numa gaiota puxada por um matungo magro. Não se entrega, é verdade, mas seu peito de gaúcho campeiro está virado em cinzas, dolorido e triste como as noites deste arrabalde.

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895