Aquilo que nos ilumina por dentro
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Outros dois presentes estão ligados à luz. Como morávamos na campanha, sem energia elétrica, uma lanterna e um lampião eram fundamentais. Em um ano ganhei uma linda lanterna de duas pilhas médias. Era de alumínio, que reluzia no escuro. O tio havia mandado gravar meu nome no metal o que me deixou orgulhoso. Mostrava a todos, que queriam ligar e desligar os botões de luz fraca e luz forte. E tinha, ainda, um botão para piscar. Num outro ano, ganhei o famoso lampiãozinho a querosene. Na primeira noite, depois de encher o recipiente de combustível, acendi o pavio, ajustei a chaminé de vidro e comecei a ler Lendas do Sul, do Simões Lopes Neto. Lia uma página e ficava a admirar a luz amarelada, a mexer na pequena chave que controlava a altura do pavio e da chama. Durou anos aquele lampião, até o dia em que a energia chegou em nossa casa e o presente acabou abandonado em cima de uma prateleira.
Depois, já homem feito e morando na Capital, tomei a decisão de ir até a cidade onde morava meu tio para agradecer-lhe outra vez pelos lindos presentes que havia me dado. Contudo, ao chegar em frente a casa dele, senti uma coisa ruim, um aperto no coração. A tia, já bem velhinha, saiu de dentro de casa e, ao me reconhecer, começou a chorar. Soube, então, que o tio havia morrido um ano antes. "Ele sempre falava em ti", disse-me ela. Antes de retornar, pedi para que me acompanhasse ao cemitério . Ao lado de sua tumba, declamei até o fim, com aperto no coração, o "Tobiano Capincho", do Aureliano, que o tio tentara me ensinar e que nunca conseguia decorar.
Porque além dos presentes, o tio havia me repassado seu gosto pela poesia gauchesca, mesmo sendo um homem urbano, que tinha feito a vida dentro dos trens. E, os melhores presentes, meus amigos, não têm gosto nem cheiro, nem valor monetário. São como poemas, de onde brotam versos que nos iluminam por dentro...