Fogueiras

Fogueiras

As comidas estavam deliciosas e a fogueira... credo, aquela foi a maior e mais bela fogueira que já vi neste meu longo andejar.

Paulo Mendes

publicidade

Acordo cedo neste junho de invernias/ Acendo fogo, faço mate, penso o serviço/ Encilho o mouro que meespera na estrebaria/ Firmo na rédea porque o braço mantém o viço... / Mais um inverno, a la pucha, veio bagual/ E de vereda tamo na luta quebrando geada/ Que bueno amigo é este mouro, não tem igual/ Bufa, galopa, mete o encontro na Campereada.../ Trago no peito ânsias pequenas e tão sozinhas/ Elas são pobres e muito tristes por serem minhas/ Mas se agitam entreveradas no coração.../ Raiou o sol, que amorna a alma e esta vidinha/ Já sou um fogo que se apagou por trás da linha/ Mas sob as cinzas surgem fogueiras de São João... 

O senhor está vendo, lá no fundo da lavoura, naquele coxilhão perto dos trilhos? Mais para cima, havia uma morada onde viviam seu João, a mãe dele, a dona Isabel, o Joãozinho, meu colega de colégio, a família inteira. Era uma chácara bem linda, dava gosto de ver, o açude aqui embaixo, cheio de peixes, o pomar, as vacas leiteiras, um parreiral. Pois o senhor sabe que num inverno como este, frio que ele só, eu, o Joãozinho, o Clécio, o Luiz, o Tonho e o Marreco decidimos fazer uma festa junina, chamar a vizinhança, tomar quentão, comer canjica, milho verde, arroz doce, rapadura, amendoim, pipoca, pinhão e tantas outras guloseimas que poderíamos apreciar caso conseguíssemos que as famílias viessem. Seria uma farra e tanto, sem falar na velha gaita do velho Lara, acordeonista de primeira estirpe. A ideia era reproduzir a festa que anualmente tínhamos na escolinha de São João do Barro Preto, só que apenas nossa. 

Foi penoso, mas finalmente conseguimos a autorização de seu João para a realização do festejo. Alguns demoraram para confirmar, mas todos concordaram. Foi uma algazarra entre a gurizada. Dois dias antes, começamos a fazer incursões pelos matos à procura de madeira seca, galhos, troncos caídos, para que nossa fogueira fosse a maior, a mais alta, a mais clara já vista por aquelas bandas. O seu Adão Bolacha foi quem nos instruiu na feitura, com um grande poste fincado no centro, onde fomos arrodeando a lenha mais grossa, depois subindo, afunilando, sendo que bem no alto, na ponta, ficaram as taquaras verdes, e os pneus velhos que iriam queimar e estalar, como pequenas bombinhas. As mulheres se encarregaram dos bolos e quitutes, a família do Clécio fez o quentão, minha mãe a canjica, e assim por diante. 

Finalmente chegou o grande dia. Na noite anterior a fogueira estava pronta, fizemos turnos de guarda para cuidá-la. Lembro, ainda, que finalizamos nossas obrigações e a lida às pressas, para que às seis da tarde pudéssemos estar lá na chácara. Eu me pilchei de bota e bombacha e botei um chapéu de palha, mas o pai disse que gaúcho não se veste de caipira. Por isso, dei de mão no lenço colorado e o chapéu preto de barbicacho. Quando anoiteceu chegaram os convidados trazendo suas contribuições.

A festa foi animada, seu Lara tocou três horas sem parar, a Belinha estava linda com suas tranças e pintinhas no rosto e me olhava faceira. As comidas estavam deliciosas e a fogueira... credo, aquela foi a maior e mais bela fogueira que já vi neste meu longo andejar. Às vezes, no meio da noite, fecho os olhos e ela está lá, de novo, crepitando, iluminando para sempre os escuros desta vida... 


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895