O domador que previa o futuro

O domador que previa o futuro

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"Estava escrito no livro/ desse destino ancestral/ Qque faria nosso bagual/ Voltar rico do Uruguai/ Também não creio em brujas/  Pero que las hay, las hay... /Então no próxima ronda/ Vou terminar esta história/  Verano, voltou com glórias/ De lá da banda oriental/ Veio com marca e sinal/ Só pra ver como é que fica/ Tenha fé no que defendes/ Outra cria do Paulo Mendes/ Trovador da Vila Rica..."

        Verano, o sonhador

Dois meses depois de ter entregado os dezessete potros domados, Verano mateava com a peonada no galpão, no final de tarde de um sábado, quando  chegou dom Carmino e perguntou-lhe, de chofre, o que mais sabia fazer. "Dizer poesia e prever o futuro". O velho uruguaio arregalou os olhos enquanto Verano começou a recitar em português: "Hoje a neblina enche a campanha/ Ronca raivento o ventarrão./ Ah! se não fosse a lavareda/ que arma visagens na parede/ das quatro faces do galpão!...."stão cor de cinza e cor de chumbo/ as cousas, o ar, o céu e o chão./ Como é que a gente se parava/ se não fosse a festa clara/ das lavaredas no fogão..."

Dom Carmino voltou a perguntar. "E as previsões?".  "Eu sonho", respondeu-lhe. "Sonho e interpreto. E nunca erro".  Era verdade, ainda guri, havia sonhado que iria para o Brasil, depois voltaria  a cavalo. Ainda na viagem de retorno, sonhara que domaria uma tropilha de potros caborteiros. E antes previra a morte da mãe e que ficaria solteiro até homem maduro, mas que se casaria e teria filhos. "Quer sonhar para mim?", perguntou-lhe dom Carmino. Daquele dia em diante, só fazia os serviços que queria, porque sua ocupação principal era sonhar e prever o futuro do patrão. De desconfiado no início, dom Carmino praticamente entregou as decisões para os sonhos de Verano, sobre a estância, os negócios e os filhos. Com isso, escapou de vendas malogradas, compras de reses de procedência duvidosa e evitou tragédias. Os negócios do estancieiro se multiplicaram,  abriu frigorífico em Melo e escritório de compra e venda de gado em Montevidéu. Noutro ano, Verano sonhou com a peste e o fazendeiro vendeu toda a produção de corte, ficando apenas com as leiteiras.  O país inteiro sofreu com a aftosa e precisou sacrificar todo o rebanho bovino. Então a fama correu províncias, veio gente até de Buenos Aires pedir-lhe para sonhar, mas o gaúcho alegou que estava empregado, só tinha um patrão. Antes de morrer, o estancieiro deixou-lhe um terço das propriedades, o que transformou Verano em um homem rico. Ele agradeceu, mas não se impressionou tanto,  porque disso também já sabia. Recentemente andava sonhando com uma moça morena e com o retorno para o Brasil. "Na primavera vou-me embora. Desta vez para sempre, está escrito que vou terminar meus dias na Vila Rica". Uma semana depois, quando estava numa agência bancária de Melo, viu a moça morena de seus sonhos.  Ele a esperou até o final do expediente, jantaram juntos naquela noite e nunca mais se separaram.  Naquela primavera, como estava previsto, encaminhou a venda das terras, do gado, dos cavalos e, junto com Rosaura, viajou de trem para o Brasil, para a sua Vila Rica.

Quando pediram um quarto no Hotel do Comércio, o rapaz da recepção anotou o seu nome e depois perguntou-lhe a profissão. Então sorriu e disse sem pestanejar:  "Vivo de sonhos..."

 

 

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