O homem, o cavalo e o guri

O homem, o cavalo e o guri

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          O homem já era velho e simples, mostrava mãos retorcidas e a alma reta. Tinha pouca instrução, de nada sabia dos planetas e da economia mundial. Havia sofrido tanto na vida que nunca mais chorava porque todas as lágrimas já haviam secado.  Trabalhara em lavouras de arroz desde que nascera para ajudar a mãe a criar os outros 11 filhos. Ficara órfão de pai aos 14 anos. Acordava ainda escuro e só dormia com as estrelas. Eu o conheci já velho, lá na Vila Rica. Seus filhos haviam partido para longe ou morrido e então,  num gesto de coragem, casou-se de novo e adotou um menino para criar, para dar um novo sentido à sua vida. Estava no fim, mas gostava de tropear, comer churrasco assado no fogo de chão acompanhado de pão e vinho. Vivia pilchado, bem gaúcho. Uma noite, já muito doente, arrastou sua cadeira para perto da porta, olhou para as estrelas e disse:  "O mundo é tão lindo e eu tenho tanta pena de morrer."
         O cavalo ainda era um potrinho quando o homem o comprou de um vizinho. Era mirrado, mostrando as costelas e com feridas pelo lombo. Tinha olhos grandes e tristes. Depois, bem tratado pelo homem, encheu-se de viço, ficou alegre, nem precisou ser domado. Um dia o homem o encilhou e ele tranqueou satisfeito com o dono no lombo. Noutro dia o homem o atrelou à carroça. Depois no arado. Para tudo o potro, agora cavalo, se prestava. O homem era todo orgulho com seu Tostado, bom de rédea, bom de pata e de força descomunal, que atendia ao chamado do homem de dia e de noite. Foram muito felizes os dois. Um mês depois que o homem morreu, o cavalo também amanheceu morto, de olhos abertos, parecendo fitar o céu anil da antiga Vila Rica.
         O guri estava abandonado, andava rolando de um lugar para o outro, sem o carinho da mãe, sem o conselho de um pai. O homem o encontrou e o levou para sua casa. Fez dele seu filho, o ensinou a ser um homem trabalhador, honesto e reto, como o próprio homem sempre havia sido. O menino tinha os olhos vidrados como os do cavalo, mas logo também se encheram de luz e de esperança, pois ganhara um lar, uma mãe, um pai e um cavalo. Era tudo o que o guri precisava na vida.
         Meus amigos: o guri era eu. O cavalo era o meu companheiro Tostado. E o homem foi e sempre será o meu pai.

 FELIZ DIA DOS PAIS A TODOS OS LEITORES!!!

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