Pela neblina do tempo
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Voltei esses dias à minha querida Vila Rica e nada mais vi. Minto, vi muitas coisas, mas nada daquilo que gostaria de ver outra vez. Não vi meus amigos jogando bolita debaixo das figueiras, não vi o gado charolês branqueando as coxilhas esverdeadas, não vi o nosso bolicho com o balcão de tábuas riscadas pelo fio das facas, nem a balança bico de pato; não vi minha mãe fazendo doce no tacho sobre o fogão a lenha; não vi tropas cruzando a estrada rumo à charqueada, nem a gritaria dos gaúchos montados em seus pingos garbosos e suados. Não vi os cinamomos, os ciprestes, a cancha de bocha, o alarido da escolinha do São João, nem a fuzarca dos madrugadores. Não vi pitangas maduras. Onde estará meu irmão, parceiro e amigo de brincadeiras e caçadas? Não encontrei meu cavalo Tostado, um companheiro para dias ensolarados de infância e carroceadas. Nada disso vi ou ouvi porque dormem na memória. Coisas e gente que foram atropeladas pelas mudanças dos novos tempos. Só vi espectros e senti um vazio pelos internos porque também não me vi lá. Constato, tristemente, que sou um velho que arrasta as chinelas, arcado, buscando coisas e pessoas que não existem mais. Só resisto porque sou teimoso e me salvo nas palavras.
Sei que devo aceitar a derrota, compreender o fluxo inexorável dos dias e das noites rodando. Meus amigos, sei disso, mas confesso que é dolorido. O passado se perdeu e agora só existe aqui dentro. Tem muito mais presença em mim o que me falta. O que passou, passou, passou.... Está perdido para sempre na neblina do tempo.