Perdidos

Perdidos

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Dia desses minha alma campesina ficou em rebuliço quando, pela janela do coletivo, enxerguei um cusco perdido ali na agitada avenida Mauá, no Centro de Porto Alegre. Era um cachorrinho preto com as patas brancas, muito magro, com o olhar tristonho. Até pensei na hora que pudesse ter fugido das enchentes que castigaram a Região Metropolitana poucas semanas atrás. Ou se separado das dezenas de carrinheiros que perambulam pelas Capital, empurrando seus carrinhos enquanto catam lixo pelas ruas. Nunca saberei, só sei que me deu uma agonia vendo aquele bichinho desviando dos carros em alta velocidade. Ele corria e esbarrava no muro, então olhava desesperado para todos os lados tentando enxergar um rosto amigo, ouvir um assobio fraterno, uma palavra de carinho ou encontrar um outro cão companheiro. Mas nada, estava irremediavelmente perdido e podia ser atropelado a qualquer momento.

Alguns segundos depois não vi mais o cão e fiquei pensando nos outros cães que vagam sem rumo por todas as cidades. Vira-latas, mestiços e até cachorros de raça que antes eram tratados, tinham o pelo lavado e se alimentavam de rações caras. Sei que existem muitas entidades e até instituições oficiais que cuidam de muitos deles, mas ainda é pouco, claro, porque animais se perdem toda hora, não só cães, mas gatos, cavalos e outros bichos de estimação. Além de se perderem, muitos são despejados de casa, mandados embora, enxotados. Não dá para acreditar que um dono faça isso, mas a maldade humana não tem limites. Contaram-me que muitos turistas ao chegar nos seus destinos ficam sabendo que não podem ficar com seus animais em hotéis ou pousadas. Então se livram deles jogando-os na rua, assim, sem dó nem piedade. Como essas pessoas conseguem dormir depois?

Vendo esses párias perambulando, sem ter o que comer, com sede e sem lar, me dei conta de que a cidade está cheia de perdidos. Muitos de nós também andam assim, como os cuscos abandonados, sem saber para onde ir, desatinados, moribundos. É gente que chegou do interior com um sonho emalado, mas que aos poucos vai percebendo que tudo era apenas um sonho mesmo. Depois, nem pode mais voltar. Falo porque sei como é, já senti na carne a dor da solidão, já me senti assim, perdido como um cachorro sarnento e sei como isso é triste. Felizmente encontrei meu rumo, hoje tenho um rancho para dormir, uma família para me amparar. Ah, meus amigos, estar perdido na vida é a pior coisa do mundo.

Esta manha, ao acordar, lembrando da dor daquele cusquinho, fiz uma prece a todos os perdidos, os desamparados, os miseráveis, sejam eles bichos ou gente. E rogo a vocês que ajudem, não atropelem, não maltratem e. se possível, ajudem. A maior felicidade, para quem está perdido, é encontrar uma mão estendida.

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