Perrinho aprende a sorrir

Perrinho aprende a sorrir

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         Durante alguns meses, depois que as águas voltaram ao leito do rio, Perrinho continuou farejando em vão sinais dos donos. Às vezes,  até voltava à velha casinha de madeira abandonada, de paredes de tábuas apodrecidas. Não restava mais nada  Mesmo assim,  ia de tempos em tempos. Foi numa bela manhã de sábado que notou algo diferente. Alguém havia colocado um papelão na porta quebrada. Então o cusco se esgueirou por baixo e teve uma surpresa: Antônio estava dormindo sobre uns caixotes e quando o  viu, saltou e gritou: "Perro, é tu mesmo Perrinho?".  O cão correu e começou a pular, a saltar e até a latir de alegria.

 

         Antônio havia deixado a prisão uma semana atrás.  Após perambular pela cidade decidiu, mesmo com vergonha, visitar os pais. Estava com saudade da mãe e dos irmãos. Mas na lancheria o avisaram de que a família tinha perdido tudo na enchente e voltara para o interior. "Um homem de caminhonete veio buscar, falaram ser granjeiro", dissera alguém. Estava desolado, mas agora com a chegada de Perro, as coisas começavam a mudar. Perro era a ligação dele com a família. "Vamos embora , vamos encontrar o pessoal, eu juro que vamos."

 

         Na cadeia, Antônio precisou fazer de tudo um pouco para não ser morto ou violentado. Mas pagara sua pena. Agora jurara ser um homem reto e trabalhador como o pai, Fugêncio. "Ninguém volta de onde tu está", dissera-lhe Ginga, líder da facção Tiro na Boca. "Talvez", respondera dois dias antes de ser solto. Queria tentar, mesmo que fosse quase impossível. Sabia dirigir trator, fizera um curso de mecânico. Quem sabe pudesse trabalhar na granja onde o pai estava,  para começar. Recomeçar, deixar o passado, sair desta cidade, voltar ao campo. Às vezes é preciso olhar para trás e refazer o malfeito. Ainda estava vivo e Nossa Senhora dera-lhe mais uma chance. Na antiga sala,  agora barrenta e suja, rezou ajoelhado aos prantos, tendo o rosto lambido por Perrinho. Depois disse ao cachorro:  "Vamos fazer uns servicinhos e comprar a passagem para a Vila Rica."

         Era inverno, sim. Mas o sol costuma aparecer quente em agosto. Mês de cachorro louco? Mês de desgraças? Nem sempre. Desembarcaram na Rodoviária no final da tarde. Dormiram num catre da garagem do doutor Fabrício, que no outro dia os levou até a granja. Chegaram na hora do almoço. Dona Aninha chorou abraçada ao filho, Lalau e Guta brincaram com Perrinho. Fugêncio apenas acendeu um palheiro e disse, faceiro: "Olhem, o cachorro aprendeu a rir..."

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