Quando o verão vai embora

Quando o verão vai embora

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se vai mais um verão, na garupa do outono, assobiando um abandono, pr` este peito que anda triste, mas a alma inda resiste, embora ande com sono.... Na tarde que se espicha, no campo largo da vida, vou tenteando uma saída, não a melhor, mas honrosa, e... no jaleco, uma rosa, pr`uma saudade perdida ...

 

Havia retirado do bolso das bombachas os versos rabiscados muitos verões atrás. Agora os lê com dificuldade ao lado da porteira, debaixo da sombra amiga das pitangueiras. Ficara ali desolado, secando o suor da testa, da nuca recoberta pela cabeleira. O verão de novo vai embora, só que agora não mais solito. Ele vai junto. Para onde?

 

Olha para o tostado, que pasta com as rédeas no chão. Mais abaixo, o gateado, só com o buçal e o cabresto, está quieto, desconfiado. Dali nem se avista mais a estância,  ao fundo, que parece um pontinho verdejante na planície, perto do rio, cuja linha escura avança fazendo piruetas contra a terra poncheada de jade. Dias atrás chegara aos 50,  andava cansado de andar de pago em pago, um pouco aqui, outro tanto acolá. Recém vieram contar que a estância seria transformada num lavourão de soja e o patrão não precisava mais do seu serviço. Já tinha passado por isso na costa do Jacuí, depois na Caturrita, lá na Cachoeira. "Não era justo",  pensava, enquanto  apagava o palheiro na sola gasta das alpargatas. Tinha planejado se tocar para o povo, vender os cavalos, os arreios, trabalhar com um primo que comprara um caminhão boiadeiro. Na última hora decidira mudar os planos. E de rumo. "Sempre hay lugar para um índio que é bom de lida", dizia o seu Neto, o velho capataz que tanto lhe ensinara.

 

Lembra do tempo da Escolinha de São João. Dona Lina apontando as virtudes da poesia, lendo poemas e depois dando-lhe de presente um livro de José Alonso y Trelles, o "El Viejo Pancho", todo em espanhol, que se acostumou a ler antes de dormir. "Ele não se autodenominou velho por causa da idade, mas pelas coisas já vividas",  alertara a professora. O livrinho, tão usado, perdera a cor,  mal dava para enxergar as letrinhas miúdas, mas isso não era problema, pois sabia os versos de cor: "Qué  vivir otra vez lo ya vivido/ Si fué amargo el vivir/  Es sufrir otra vez lo ya sufrido/ Que es más pior que morir?"  E olhando as avestruzes ao longe, recitou baixinho, só para os cavalos ouvirem: "Por eso, al ver tranquiar hoscos y lerdos/ Mis dias sin amor/  Ato a soga el ternero y los ricuerdos/ P`apoyar la lechera del dolor..."

 

Agarrou as rédeas, montou e seguiu para a banda oriental, acompanhado do gateado e dois cuscos ovelheiros picaços. Aprendera a nunca olhar para trás e apreciar essa estação do ano, com suas cores e luzes.  Afinal, fora sua própria avó uruguaia que o batizara com o sonoro e rebrilhante nome de Verano...

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