Querem matar o índio e o gaúcho

Querem matar o índio e o gaúcho

publicidade

Sempre surge um "embonecrado"

se passando por moderninho:

Grita fazendo beicinho

e monta do lado errado.

O Rio Grande já está cansado,

desse tipo meio bruxo,

que nem aguenta o repuxo

mas só quer é alardear

a morte.... e a tripudiar

o fim do índio e do gaúcho...

                                                                                  Vivos!

"Os anos vêm e se vão/ E sempre surge algum bruxo/ Querendo dar a extrema-unção/ Para o índio e o gaúcho."  (João Sampaio)

Jamais morrerão, amigo Sampaio, porque eles viverão em cada acorde de cordeona que abrir o fole num vaneirão sem porteira, num ponteio tristonho de milonga, num mate sorvido ao final da tarde em um oitão de rancho ou numa dessas casas humildes dos arrabaldes. Viverão no interior de um município. Enquanto a nossa gente estiver na frente das casas, mirando o poente, olhando as várzeas estendidas a se perder de vista, o novo povo seguirá de pé. Ele estará sempre por aí, testemunha daquela gente baguala de antanho. Se transformaram, se transmutaram, ergueram outros ranchos, mas não pereceram. Resistem como podem, uns como tratoristas, outros como funcionários de prefeitura, trabalhando com suas bombachas rasgadas, as camisas puídas, as boinas encardidas pelo tempo. À noite sonham com histórias contadas pelos avoengos, vovôs barbudos com rostos desbotados de passado, campeiros  que tanto sovaram arreio no lombo de  matungo por esses eternos caminhos do Sul.

Ah, amigo Sampaio, tu sempre risca de poemas essas páginas em branco e abertas da Pampa, contribui de fato para que a memória deles nunca sucumba nos caldeirões desses bruxos pós-modernos. Não se percam na máquina globalizante da Internet, com seus dentes pós-modernos. Os poetas, os músicos, os compositores, os intérpretes, os escritores, todos os artistas, mangueireando a cultura por onde andam, são os novos tropeiros da memória e da cultura esquecida. Tudo mudou, mestre Sampaio, mas te digo e sei que também concordas,  nosso amor pelo chão sagrado do Rio Grande é o mesmo dos que nos antecederam. Esta terra que já foi o Rio Grande de São Pedro. Um atavismo que fará esse garrão de terra,  meridiano onde tantos tombaram com a lança firme na mão, seguir campeiro, seguir bravo, sempre gaúcho. Eles eram duendes que nem sabiam porque lutavam e porque morriam. Então viraram versos, romances, melodias e ressuscitam sempre quando um livro é retirado da estante.

E os nossos índios? Não se mixam, vão para a beira das estradas vender artesanato, esculpem miniaturas e ainda estão aqui também. Brigam por seus direitos, pela terra deles roubada. Conheci tantos indígenas que mantêm sua dignidade, a cabeça altiva, ensinando aos novos curumins a sua história e a sua cultura. Os caingangues, tecendo o vime, os guaranis trançando a taquara. Trançam fibras e por sua fibra moldam a esperança. O gaúcho e o índio estão tão vivos, até porque um se confunde no outro,  o gaúcho índio e o índio gaúcho, miscigenados, fundindo-se na imaginação, no esplendor das artes que se renovam, que se perpetuam. Eles viverão para sempre no remanso dos rios prateados da alma rio-grandense, na ausência dos que se foram, no silêncio verdejante das invernadas pampeanas e, meus amigos, ficarão plasmados no lirismo fronteiro do genuíno João Sampaio.

Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895