Verano e os dezessete potros domados

Verano e os dezessete potros domados

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Não te mixa, índio Verano

No lombo da bagualada

Porque nesta campereada

Tu és o rei soberano.

Afirmo por ser teu pai

O poeta que te moldou

E por farra te mandou

Para as plagas do Uruguai...

Tu vais ganhar a parada

E voltar cheio de glórias

E será mais uma história

Na boca da gauchada...

        Dezessete potros domados

Um ano depois de chegar a Vichadero, naquele outono que perdera o emprego na fazenda Guajuvira, Verano abre os olhos para o Pampa esverdeado à sua frente. No último inverno arrumara trabalho nesta estância de dom Carmino, um homem que fora amigo de sua avó. "Che, paisano, te conheci inda chico...", dissera o estancieiro, que precisava de um domador.  "Deixe comigo, para mim, tirando os que corcoveiam, o resto são todos mansos de lombo", falara o chiste para uma longa risada de dom Carmino, que o contratou na hora.

E assim, passou o tempo na naquela labuta, dando tirões, quebrando queixo, atando bocal, enfrenando, botando estopa nos olhos, revisando as cordas trançadas, montando e aguentando pulos daqueles malignos. Às vezes, só tato, noutras, chilena e mango. Cavalos são como os homens, há os que já nascem mansos e os belicosos por natureza, os desconfiados, os traiçoeiros e os que pensam que nunca serão domados. Mas até esses se dobram e se ajoelham. Verano aprendera com seu Neto, que não importa o pelo e a situação.  Houve o caso até de um mouro que precisou encilhar dentro d" água de tão velhaco.  Mas no fim do verão,  entregou os dezessete potros mansos "de pastar com as rédeas no chão".  Ficara com os músculos doloridos, as canas dos braços machucadas, uma costela quebrada e as pernas com câimbras. Neste domingo descansava sozinho na Estância Esperanza. Ele, a cachorrada e os dezessete cavalos. Estavam adelgaçando. "A partir de segunda vão para a lida", dissera o patrão.

Sorve o mate e fica a lembrar das Páscoas em São João. A mãe, dona Serena, trazia do mato cipó, flores e barba de pau e trançava cestinhas pequenas, lindas, enfeitadas e cheirosas. Depois as enchia de rapadurinhas, caramelos, goiabada, sorvete seco, frutas vermelhas, tijolinhos de banana e tantos outros doces. Ah, ainda hoje sentia o perfume que a mãe exalava de seus cabelos lavados na sanga de água clara, atrás do rancho. Sempre separava uma parte do presente para levar na segunda-feira para a escolinha, onde dividia o que restara com os amigos ainda mais pobres. Um desses era o Janguta,  ruivo e mirrado, que ficara sozinho no mundo, criado guacho pelas estradas, cujo sonho era ser tropeiro.  "Por onde andará agora?"  Depois almoçou um pedaço de ovelha assada que dona Miloca, esposa do capataz ,deixara no forno, com pão caseiro. Nunca bebia, mas tomou uma copa de vinho tinto e depois sesteou sobre os pelegos.

Quando a tarde descamba, varre o terreiro, limpa o galpão, arruma os catres da peonada, acende o fogo do galpão grande. Antes já havia dado água para a potrada no açude. Assim, Verano sente outro domingo de Páscoa chegar e ir-se embora. Se não foi o melhor, também não foi o pior.  Não sentia solidão, ficara com os cuscos, com suas lembranças e com os dezessete potros domados...

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