Análise CM: o futuro do carro elétrico com Trump

Análise CM: o futuro do carro elétrico com Trump

Presidente eleito dos EUA prometeu “acabar com a eletrificação” liderada pelas montadoras chinesas

Renato Rossi

Apoio de Musk e sua Tesla pode gerar atritos com linha elétrica do bilionário

publicidade

A invasão chinesa enfrenta barreiras alfandegárias impostas pela Comunidade Europeia, que busca conter a “invasão chinesa” que compete diretamente com a produção local. As exportações de veículos chineses devem chegar a um milhão de unidades no mercado europeu em 2024. Até outubro, as montadoras chinesas já haviam exportado mais de 600 mil unidades, número que preocupa as montadoras europeias, as quais pressionaram o Parlamento Europeu por um aumento no imposto de importação, atualmente em 45,6%. Apesar de os veículos produzidos na China serem mais caros, a demanda do consumidor europeu pelo carro elétrico “made in China” não diminui, sendo esse produto valorizado pela alta qualidade tecnológica e pelo nível de equipamentos.

Nos meses de setembro e outubro, o mercado de carros elétricos na Comunidade Europeia registrou uma queda média de 6% em 27 países. A causa desse recuo está associada à elevação dos impostos sobre veículos importados e ao crescimento da inflação, que reduz o poder aquisitivo do consumidor. Porém, a indústria automobilística chinesa é conhecida por sua rápida adaptação às condições de mercado. Marcas como Leap, Neta e Seres, entre outras, já oferecem na Europa carros pequenos e performáticos na faixa dos 25 mil euros. Enquanto os elétricos apresentam leve declínio, a venda de veículos híbridos cresceu 30%, aumento observado não só na Europa, mas globalmente.

Na Europa, a vitória de Donald Trump nas eleições americanas não deverá ter impacto significativo no mercado local. Contudo, o problema surge se a China retaliar eventuais medidas restritivas dos Estados Unidos, o que poderia trazer graves consequências para marcas alemãs que exportam 80% de sua produção para a China. Os consumidores chineses demonstram uma forte preferência por marcas como Porsche, Audi e Mercedes.

Nos Estados Unidos, agora “sob nova direção”, a promessa de campanha de Donald Trump de “acabar com o carro elétrico” pode resultar em restrições às exportações de montadoras chinesas. Para Trump, o carro elétrico é o “assassino de empregos”, como ele afirma em sua linguagem populista. As medidas restritivas sobre o carro elétrico devem ser implementadas “desde o Day One” (primeiro dia de seu mandato), previsto para começar em 20 de janeiro. Provavelmente, haverá um aumento significativo na carga tributária sobre os carros elétricos chineses, que já enfrentam uma tarifa de 100%, um legado do governo Biden.

No entanto, a estratégia de Trump de restringir o mercado de carros elétricos enfrenta um “elemento complicador” com a possível entrada de Elon Musk em uma posição de destaque no governo. O proprietário da Tesla, com uma fortuna de trezentos bilhões de dólares, apoiou a campanha de Trump com centenas de milhões de dólares. Com a vitória de Trump, Musk viu o valor das ações da Tesla, que caíam devido à concorrência chinesa, disparar novamente. As vendas da Tesla cresceram sob o slogan desgastado do “MAGA” (Make America Great Again). Contudo, para que os Estados Unidos realmente mantenham sua influência global, será necessário reconhecer a complexidade do cenário mundial atual e não ignorar a relevância de relações multilaterais, especialmente com a China.

Elétricos chineses são "non-gratos" para o republicano | Foto: Renato Rossi / Especial CP

A General Motors, Ford, Jeep, Chrysler e Ram se beneficiaram do “Ato Contra a Inflação”, que injetou 370 bilhões de dólares na economia norte-americana com o intuito de criar uma “economia verde”. Um dos pilares dessa economia é justamente o “carro elétrico”. A estratégia do governo Biden, em andamento, visa a criação de uma rede de 200 mil pontos de recarga elétrica no território americano, um negócio agora em mãos da iniciativa privada, que somou mais 20 bilhões de dólares aos 370 bilhões iniciais.

Se Trump diminuir o apoio ao carro elétrico, isso poderá representar um prejuízo incalculável para as montadoras que receberam subsídios bilionários para a produção de veículos elétricos. A Tesla, de Elon Musk, obtém 70% de sua lucratividade global com veículos vendidos no mercado norte-americano e é uma das líderes de vendas na China. Logo, não seria prudente adotar medidas protecionistas excessivas que irritem os chineses. Como negociante experiente, Trump não deverá querer prejudicar seu “brother” Musk. Certamente, Musk não gostaria de ver seus Teslas parados por falta de carregadores ou “encalhados” nos showrooms, caso consumidores temam as restrições de Trump e desistam de comprar carros elétricos.

Se o governo Trump adotar um isolacionismo extremo e rejeitar o multilateralismo, os Estados Unidos poderão gerar atritos nas relações internacionais. Um veto à entrada da indústria automobilística chinesa, por exemplo, pode provocar retaliações por parte da China, que compra bilhões de dólares em matérias-primas e produtos acabados norte-americanos. Esse revide chinês poderia significar um prejuízo bilionário para a General Motors, uma marca ainda significativa no mercado chinês. Marcas como BYD, SAIC e GWM, motivadas pelos subsídios ao carro elétrico nos Estados Unidos, iniciaram a construção de fábricas no México para suprir a demanda do mercado norte-americano. A BYD, inclusive, tinha planos de construir uma fábrica no sul dos Estados Unidos, mas a hostilidade de Trump ao carro elétrico chinês pode ser um erro estratégico grave.

A GM e a Ford, através de seus executivos, anunciaram ter investido bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de dezenas de modelos elétricos que começam a ser lançados no mercado global em 2025. Mary Barra, CEO da GM, declarou que a empresa só produzirá carros movidos a energia limpa até 2030. Jim Farley, CEO da Ford, segue a mesma linha, prometendo o lançamento de pelo menos 60 modelos elétricos e híbridos até 2030. O carro que não emite monóxido e dióxido de carbono tem viabilidade e aceitação. Entretanto, um governo que enfatize o uso do petróleo será insustentável, tanto em termos de legislação ambiental quanto pela consciência dos consumidores sobre a necessidade de combater a crise climática.

Sr. Trump, entenda: sem políticas de proteção ambiental que incentivem a descarbonização, inclusive na indústria automobilística, o sucesso será limitado. Seu amigo Musk acumulou uma fortuna de mais de 300 bilhões de dólares com a produção de carros elétricos de alta qualidade. Os chineses também avançam na descarbonização e obtêm grandes lucros com seus carros elétricos de qualidade. Pense nisso.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895