Enquanto Twin Peaks não vem: os filmes de David Lynch

Enquanto Twin Peaks não vem: os filmes de David Lynch

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Nós ouvimos dizer que aquele chiclete que você gosta está voltando à moda. Pois é, Twin Peaks, o fenômeno televisivo e ícone cult indiscutível, estará de volta no dia 28 de maio, após 25 anos, assim como prometido por Laura Palmer ao detetive Dale Cooper (ok, tecnicamente foram 26, mas não é o caso…). A série, exibida originalmente pela ABC entre 1990 e 1991, nos mostra a investigação envolvendo a morte de uma jovem estudante que abala a pequena cidade homônima. Com muito mistério, drama, reviravoltas, surrealismo e um humor negro excêntrico, podemos considerar esta volta um dos eventos mais aguardados e memoráveis da história da televisão.

Mas essa não é a única novidade envolvendo David Lynch, mente criativa por trás do projeto. O cineasta, responsável pelo estilo único da série, anunciou durante esta semana que não pretende desenvolver mais nenhum projeto para o cinema. Então, apesar de entristecido com a notícia, o CPop resolveu aproveitar a oportunidade e fazer uma lista com todos os filmes já lançados do artista, uma espécie de (possível) filmografia completa. Então, tanto para aqueles que precisam de algo para assistir até a estreia da 3ª temporada, quanto para aqueles que querem conhecer melhor o seu estilo único: Let’s rock!

 

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Eraserhead (1977) – Seu longa de estreia, o filme figura até hoje no topo de muitas listas de suas melhores obras, além de algumas de favoritos pessoais. Lynch já chega com tudo, mostrando o melhor do seu estilo perturbador e surreal. Demorando quase 5 anos para ser completado, o filme nos mostra um cenário industrial desolado, no qual um jovem casal descobre uma gravidez não planejada. O bebê, contudo, nasce de uma forma que só pode ser descrita como “Lynchiana”. Daí em diante tudo é desespero, desconforto, medo, pesadelos e traumas, muitos traumas. O filme é estrelado por Jack Nance, ator que firmaria parceria com o diretor e apareceria em todas as suas obras subsequentes, com a exceção de:

 

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Elephant Man (1980) – Surpreendentemente, esta parceria entre Lynch e Mel Brooks nos trás uma história real, a humana e tocante biografia de Joseph Merrick. Nascido com uma má formação, o titular Homem Elefante (interpretado pelo recém falecido John Hurt) é encontrado e liberado dos maus tratos de um circo por Frederick Treves, interpretado por Anthony Hopkins, que passa a cuidar dele com carinho. Apesar da apelação emocional exagerada, e algumas vezes manipuladora, o filme impressiona pela excelente atuação de Hurt, apesar das pesadas próteses. Não obstante as várias indicações ao Oscar, foi responsável pela criação de uma nova categoria no ano seguinte: Melhor Maquiagem e Penteados.

 

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Dune (1984) - Elephant Man foi um sucesso tão estrondoso que colocou o nome de David Lynch em destaque. Tanto que George Lucas, o próprio, chegou a oferecê-lo a cadeira de direção de Star Wars VI: O Retorno de Jedi. Lynch negou, contudo (uma pena, até hoje sonho em como seria o Jabba nas mãos dele…), porque já tinha um outro projeto de sci-fi em mente: a adaptação dos livros da série Duna, de Frank Herbert. Mas as coisas não demoraram para dar errado. Lynch queria mais de três horas e meia de filme, o estúdio apenas duas. Lynch também não era lá grande fã do material original, e preferiu fazer as coisas à sua maneira. O seu estilo está claramente lá, nos visuais, no surrealismo, no perturbador, mas a essência ecológica e a mensagem sobre manipulação e fanatismo dos livros passam batidos. Lynch e seus fãs, assim como os fãs dos livros e o estúdio não ficaram muito felizes. Bola fora. Segue em frente.

 

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Blue Velvet (1986) - De volta a obras mais autorais, Lynch agora nos trás Kyle MacLachlan (nosso futuro detetive Dale Cooper de Twin Peaks) como o jovem e inocente Jeffrey Beaumont. Ao encontrar uma orelha cortada no chão quando vai visitar seu pai no hospital, ele desperta o seu melhor espírito de escoteiro e decide investigar o possível crime por conta própria. Acaba caindo no meio da relação doentia entre um gângster psicótico (genial na pele de Dennis Hopper), uma sedutora (e abusada) cantora de cabaré e sua família sequestrada. É sobre desejos, luxúria, a perda da inocência, impulsos doentios, relações não-saudáveis, loucura. É desconfortável. É estranhamente familiar. “Você é um detetive ou um tarado?”, a pergunta nos faz pensar.

 

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Wild at Heart (1990)  - David Lynch e Nicholas Cage, que combinação! Mais uma adaptação literária, esta da obra de Barry Gifford, lançada dois anos antes. O casal Sailor e Lula é jovem, impulsivo, inocente (uma inocência diferente da de Jeffrey Beaumont, com desdobramentos também completamente diferentes), e em fuga, fuga de uma mãe dominadora e gângster assassinos. Pois é. O filme é um road movie, uma história de amor, uma aventura com pinceladas que vão de O Mágico de Oz até Elvis Presley. Lynch também decide dar à história um surpreendente final feliz, diferentemente do livro. Lhe rendeu um prêmio em Cannes. Oh, e Willem Defoe. David Lynch, Nicholas Cage e Willem Defoe!

 

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Fire Walk With Me (1992) - Depois de Wild at Heart surgiu Twin Peaks. Duas temporadas do melhor estilo Lynchiano, e, então, o cancelamento repentino. Todos queriam mais, e era isso que Lynch pretendia dar também. O filme enriquece ainda mais a mitologia da franquia (quem não quer saber mais sobre The Jumping Man?) e, especialmente, nos dá um backstory mais completo de Laura Palmer: seus últimos sete dias de vida, em todos os detalhes frios, tristes, desesperadores e enlouquecedores. Originalmente contando com participações de quase todo o elenco original, além do enigmático e memorável cameo de David Bowie, precisou ser diminuído pesadamente na mesa de edição. Pensada como uma trilogia que daria continuação e encerramento para a série, a obra acabou sendo vaiada de pé em Cannes. Fãs não obtiveram todas as respostas que queriam. Aqueles que não conheciam a série ficaram sem entender bulhufas. Parou por aí. Recomendamos? SEM SOMBRA DE DÚVIDA! ESSENCIAL ASSISTIR ANTES DA TERCEIRA TEMPORADA!

 

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Lost Highway (1997) – Lost Highway é praticamente dois filmes pelo preço de um. Com ares noir, começa com a claustrofóbica história do casal Fred e Renée, que recebe fitas pelo correio que mostram imagens… deles próprios dormindo dentro de casa. Robert Blake é introduzido como o infame Mystery Man, uma das criações mais aterrorizantes de Lynch e que rivaliza fortemente com o melhor dos habitantes do Black Lodge em Twin Peaks. Desconforto, desconfiança, medo, surrealismo. E então, assim como Fred, somos surpreendidos por um assassinato, cometido por ele próprio (nós?), e então a cadeia. É aí que o filme muda, uma espécie de releitura da metamorfose de Kafka, e do nada somos o jovem Pete Dayton (Balthazar Getty). Aos poucos vamos experienciando temas e elementos repetidos, até a surpreendente, repentina e confusa conclusão. É daqueles filmes que inflama debates até hoje na internet sobre seus acontecimentos e significado, mais uma vez rivalizando com Twin Peaks. É a metáfora perfeita para uma estrada longa, na qual seguimos desesperados noite adentro, sem fim...

 

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The Straight Story (1999) - 19 anos depois, Lynch volta a contar uma história real. Alvin Straight, aos seus 74 anos, cruza dois estados em um cortador de grama motorizado para visitar seu irmão que sofreu um derrame. E isso é basicamente tudo. O filme foi gravado, assim como o título indica, em ordem cronológica, e é mais um road movie, focado nos personagens encontrados pelo caminho, nas mensagens que se constroem com a jornada. É talvez um dos filmes mais estranhos do diretor, exatamente por ser tão… normal.

 

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Mullholand Drive (2001) - A história começou como um piloto para a televisão na verdade, ainda nos anos 90. E mais, um spin-off de Twin Peaks. Audrey Horne, um dos personagens favoritos dos fãs, iria tentar uma vida de fama e sucesso em Hollywood. Descartado, seguiu como roteiro de cinema. Naomi Watts é uma ótima substituta para Sherillyn Fenn, em seu caminho obscuro de transformação e deturpação para se dar bem na “terra do pecado”, voltando a um estilo mais neo-noir. É um desconstrutor de todos os clichês que já pensamento ter visto em filmes assim. É dramático, violento e engraçado (com um humor negro, claro). Inicialmente desconexo, costura no final das contas um grande mistério solucionado. Um sucesso, tendo sido eleito o melhor filme do século XXI em uma enquete da BBC Culture.

 

inland

Inland Empire (2006) – Aqui temos um filme que, bem sinceramente, praticamente não pode ser considerado um filme. Altamente experimental (e vale lembrar que estamos falando de David Lynch aqui), o longa é a união de diversas sequências completamente desconexas, cada uma com um estilo diferente, filmados de maneiras diferentes, todas inconvencionais. Um filme dentro de um filme às vezes, às vezes puro surrealismo. Para alguns o mais alto estilo Lynchiano, o ápice da estética e do conceito. Para alguns, o mais baixo. Cabe a cada um tirar suas conclusões.

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