Alessandro Pasqualotto: Ainda não chegamos no fim, e talvez não tenhamos atingido nem mesmo o pico

Alessandro Pasqualotto: Ainda não chegamos no fim, e talvez não tenhamos atingido nem mesmo o pico

Luciamem Winck

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O professor de Infectologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e coordenador do Laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa de Porto Alegre - um dos principais centros diagnósticos para Covid-19 no Rio Grande do Sul -, Alessandro Comaru Pasqualotto, afirma que somente com a busca ativa dos contatos de Covid-19 será possível bloquear a transmissão. Lamenta que muitas políticas públicas foram baseadas em testes rápidos, métodos pouco sensíveis que visam detectar a defesa contra o vírus. Ele acredita que o Rio Grande do Sul ainda não tenha atingido o pico da pandemia e, por conta disso, defende a redução da circulação de pessoas.

Correio do Povo: Embora os dados oficiais computem aproximadamente 2,2 milhões de infectados no Brasil, este é um número certamente subestimado, pois poucas pessoas têm acesso ao diagnóstico. Neste sentido, qual a utilidade dos testes diagnósticos para a Covid-19?

Alessandro Pasqualotto: Permitem dizer quem está com o vírus, no caso do teste do PCR, ou quem já teve a infecção, no caso dos testes baseados na detecção de anticorpos, a exemplo dos testes rápidos. Saber quem tem o vírus é crítico não apenas para os cuidados relacionados ao indivíduo doente, mas para tentar bloquear a cadeia de transmissão.

CP: Existem dois tipos: o PCR, que detecta o vírus, e os testes rápidos, que detectam anticorpos. Qual a diferença entre eles e qual o mais eficaz?

Alessandro Pasqualotto: O teste de PCR deve ser realizado para todos os indivíduos com sintomas de gripe, incluindo perda do olfato, tosse, febre e dores no corpo. Por estarmos em uma epidemia, pacientes gripados possuem elevada chance a priori de serem positivos no teste, especialmente se tiveram contato com caso positivo. Testes rápidos têm maior valor para estudos epidemiológicos, para informar sobre o passado. Quando os anticorpos aparecem, a doença em geral já se resolveu, de modo que perdemos a oportunidade de bloquear a transmissão a outros indivíduos. Assim, os testes mais importantes no diagnóstico da Covid-19 são os de PCR.

CP: Você é a favor da testagem em massa? Por que?

Alessandro Pasqualotto: Países que mais testaram tiveram um melhor controle da epidemia, talvez pelo isolamento mais eficiente dos doentes. Vejo muita discussão na mídia sobre trancar as pessoas em casa versus expô-las ao vírus. Qualquer das opções exige política séria e rigorosa de testagem com PCR, o que é minimamente discutido, mesmo entre as sociedades médicas.

CP: Por que ainda não temos testes em larga escala? Por escassez de insumos, já que grande são parte importados?

Alessandro Pasqualotto: Estamos aqui limitados por várias questões. Faltam laboratórios de biologia molecular em nossos hospitais. Faltam insumos, em sua maioria importados. Falta pessoal qualificado. Mas não sofremos apenas por falta de recursos. Falta-nos organização, especialmente na articulação entre as ações dos setores público e privado. Gastamos muitos recursos com testes rápidos e pouco capacitamos as redes para testes de PCR.

CP: Buscar ativamente os contatos de Covid-19 é um importante instrumento para bloquear a transmissão? Como isso pode ser feito?

Alessandro Pasqualotto: Sem dúvida. A maioria das pessoas adoece após contato próximo, em ambiente fechado, com indivíduo positivo. Na China, 79,9% das contaminações ocorreram em ambientes domésticos. Ambientes de trabalho ou de lazer estão também comumente implicados. Precisamos ativamente buscar os sintomáticos na comunidade, isolar os casos positivos e testar todos os seus contatos próximos. Do contrário, não há como mitigar a transmissão. Lembrem que a covid-19 ocorre em clusters, ou seja, em grupos. Estudos epidemiológicos que avaliam toda a população de modo aleatório estão basicamente ignorando a biologia da doença.

CP: Muitas políticas públicas foram baseadas em testes rápidos, métodos pouco sensíveis que visam detectar a defesa contra o vírus. Qual sua opinião?

Alessandro Pasqualotto: Estas políticas tiveram como base o que (achávamos que) sabíamos no início da epidemia: buscávamos por indivíduos que, tendo anticorpos da classe IgG contra a covid-19, estariam imunes à doença, de modo que pudessem retornar às duas atividades, incluindo o trabalho. Com o tempo, aprendemos dolorosas lições: poucos, entre os infectados, desenvolvem anticorpos; mesmo entre os que possuem anticorpos detectáveis, estes diminuem significativamente em título ao longo das semanas após a infecção, podendo desaparecer e os testes rápidos, aprovados às pressas para servir de auxílio na epidemia, são de muito baixa sensibilidade.

CP: Neste momento em que convivemos com a expansão acelerada de casos confirmados e mortes no Rio Grande do Sul, você avalia que reduzir a circulação de pessoas poderia colaborar para, ao menos, frear o avanço da doença?

Alessandro Pasqualotto: À medida que os hospitais colapsam, não vejo alternativa senão defender que haja maior restrição ao fluxo de pessoas pelo Estado. O que é uma lástima. Vejo comerciantes tocando com seriedade seus pequenos ou mesmo grandes negócios, com responsabilidade e distanciamento social, assim como assisto a uma parte da população se aglomerar, por ansiedade, ignorância ou simples descaso. Estamos colhendo os frutos de nossos próprios atos, como sociedade. E prestem atenção: ainda não chegamos no fim, e talvez não tenhamos atingido nem mesmo o pico. Pois que cada um trate de fazer a sua parte.

CP: Você acha que, em se tratando de Brasil, houve algum erro que pode ter contribuído para mais de 81 mil mortes?  

Alessandro Pasqualotto: Prefiro não apontar erros, pois erros todos cometemos. Precisamos é trabalhar pelos acertos. E, para a epidemia da Covid-19, gostaria de recomendar o meu “kit”: diagnóstico por PCR em todos os sintomáticos, busca ativa de contactantes, isolamento efetivo dos casos positivos, distanciamento social, uso de máscaras, higiene das mãos e muita, muita solidariedade. Até que tenhamos uma vacina, o que pode tardar mais que o desejado.


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