Céu: "As pessoas têm anseio por coisas que são diferentes, que causam uma ruptura"

Céu: "As pessoas têm anseio por coisas que são diferentes, que causam uma ruptura"

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Foto: Luiz Garrido / Divulgação / CP Foto: Luiz Garrido / Divulgação / CP


Ela já nasceu com nome de artista: Maria do Céu Whitaker Poças. Popularmente conhecida como Céu, a paulistana é uma imensidão. Não pelo seu tamanho, mas pelo grande alcance vocal, vasto leque de influências que carrega e pela mente que exala criatividade. Vinda de uma família de músicos, não queria entrar no ramo, mas aos 14 anos começou a cantar. Depois do colegial, se mudou para Nova Iorque, onde estudou teoria musical e instrumentos. A estreia na indústria fonográfica veio em 2005, com o disco “CéU” num período em que um tempo estava nublado para as gravadoras. Quatro anos mais tarde, lançou “Vagorosa” e, em 2012, “Caravana Sereia Bloom”, que colou Céu entre os principais nomes da música contemporânea brasileira.

Em 2016, a cantora se reinventou com “Tropix”, que faz é um mergulho num universo de texturas artificiais que atravessa diferentes experimentos sônicos da segunda metade do século passado: o trip hop dos anos 90, a discoteca do final dos anos 70, o R&B dos anos 80, o casamento do hip hop com a música eletrônica. O trabalho, assim como os outros, foi indicado ao Grammy Latino, que neste ano acontece em Los Angeles, em novembro. Ela planeja ir à cerimônia e torce para, aos 36 anos, finalmente conquistar a estatueta. Mas, antes, Céu aterrissa em Porto Alegre. Neste sábado, ela sobe ao palco do bar Opinião (José do Patrocínio, 834), às 20h, para apresentar seu quarto disco ao público gaúcho. Os ingressos custam R$100 e podem ser adquiridos pelo site. Em conversa com o Correio do Povo, a artista comenta a politização da música, o sucesso internacional e faz uma análise das mudanças pessoais e da indústria fonográfica durante sua carreira.

Correio do Povo: A indicação a duas categorias no Grammy Latino (Melhor Álbum de Música Pop em Português e Melhor Engenharia de Som) deste ano coroa o sucesso internacional que tu tens feito. Como tu te sentes em relação a isso?
Céu: Para mim é uma alegria enorme, porque é uma forma de reconhecimento do trabalho que é tão suado, porque tive que lutar tanto por ele. Faça meu trabalho desde 2005 sempre à minha maneira, independente, com poucas estruturas para conseguir as coisas, então é uma comemoração muito grande e um motivo para dar continuidade. Todos os discos tiveram indicação, mas é sempre muito bom, porque faz as pessoas olharam para o álbum de novo e de forma diferente, mais crítica e pensativa. Isso é muito bacana.


CP: No primeiros semestre, tu estiveste em turnê pela Europa, Estados Unidos e Canadá, e nestes dois países “Tropix” atingiu o primeiro lugar no iTunes World Charts. O que diferencia teu trabalho dos demais que te levou a ter esse reconhecimento global?
Céu: Poxa, eu não consigo fazer essa separação do meu trabalho com o de outros artistas. Não tenho essa capacidade até porque cada artista é o artista mesmo, ele se entrega inteiramente. O nosso trabalho é feito de tudo que a gente é, então não dá para fazer esse discernimento total. Eu acho que "Tropix" sintetiza uma linguagem contemporânea brasileira e é isso o mais importante, tem inovação mas sem deixar de ser brasileiro. Isso atrai e encanta o público de fora, porque mostra uma faceta diferente daquilo que o pessoal de fora já conhece. O Brasil tem muitas produções nesse mesmo estilo de ser contemporâneo, de ser mundial.


CP: Pois é, em “Tropix” percebemos uma presença mais forte de batidas quebradas, de sintetizadores, com uma pegada mais disco, diferentemente dos outros álbuns. Essas pequenas mudanças acontecem, mas a pureza da voz, melodias e a influência da MPB continuam lá. De onde saem essas referências?
Céu: Isso mesmo, está tudo lá. Eu sou uma pessoa que gosta de ser renascida, eu gosto de tudo que é de criar, e a música foi um caminho natural por causa da minha vida, do meio que eu cresci. O que me inspira muito são as coisas da vida, por isso eu não consigo falar que é isso ou aquilo, porque é o dia a dia e seus acontecimentos, as pessoas, nas ideias, nos sonhos das pessoas e nos meus próprios. Apesar de ser muito criativa, eu tenho os pés no chão, bem firme mesmo, porque encontro inspiração nas histórias, nos livros que eu li, ou então em outros tipos de arte que eu vejo, como escultura e cinema, que eu gosto muito.


CP: Percebemos que as tuas produções têm uma forte ligação com o cinema. A estética de Michelangelo Antonioni, inspirou o filmete de "Caravana Sereia Bloom", e em “Tropix”, a faixa “A Nave Vai”, carrega o nome de um filme do Federico Fellini. Que influência o cinema tem no teu trabalho?
Céu: Tem uma influência enorme, eu sou uma apaixonada pelo cinema. Muitas vezes eu recebi convite para ser atriz, mas eu nunca aceitei por achar que não tinha capacidade (risos). Não sei de que maneira mexe comigo, mas me inspira e me faz querer escrever. Inclusive, nas últimas semanas, fiz um post no Facebook sobre o "Aquarius", de um diretor do qual sou fã. Me dá uma força para seguir em frente quando eu vejo um filme poderoso como o do Kléber (Mendonça) e sendo do Brasil, me influencia mais ainda a escrever e expressar o que eu sinto. É motivacional, um combustível para fazer coisas.


CP: Nas redes sociais, tu és bastante contida, mas quando faz participações, tens uma posição bastante firme em questões políticas e de empoderamento feminino. Como o clima político e social atual influencia o universo musical e, de maneira mais pontual, o teu trabalho?
Céu: Estamos vivendo um momento em que a política inevitavelmente teve que entrar na música. O meu trabalho nunca foi cem por cento atrelado à política, diferente de alguns artistas, eu não nasci pra isso. Mas sou uma cidadã e, como eu te falei, as questões do dia a dia me inspiram. Dessa forma, a política entra na música sim, porque há muitas coisas que não concordo e eu preciso me expressar. Faço isso nas redes sociais e em shows, principalmente e quando eu não me expresso, as pessoas cobram um posicionamento meu nas apresentações, puxam coro. Eu faço tudo na medida do natural, porque não acho que tenho obrigação. Eu tenho muito respeito por quem faz isso o dia nasceu, nasceu para engajar, e eu sei que essa não é a minha. Mas quando a situação está muito perigosa e "russa" eu posso e vou me posicionar.


CP: Como tu analisas a participação das mulheres da música em questões de política? Ultimamente tem ganhado destaque artistas que não se deixam calar, como tu, Ava Rocha, Tulipa Ruiz, Tiê e Karina Buhr.
Céu: Acho extremamente importante todas essas maravilhosas que você citou, são mulheres que eu admiro muito, que eu gosto de acompanhar o que elas estão fazendo e falando. Estamos conquistando um espaço importante em todos os sentidos, seja na música, na política. Se bem que na política o passo foi pra trás. Pelo menos estamos podendo falar sobre isso, porque o brasileiro tem uma grande dificuldade em ouvir as mulheres e exercer a conversa dentro da democracia. As pessoas não conseguem ouvir os porquês dos outros, vira tudo  uma coisa passional e emocional. Eu acho que estamos aprendendo, somos um país muito jovem, temos muita história pela frente e, apesar de tudo, eu sou uma pessoa que acredita sempre que as coisas vão ficar melhores.


CP: Tua é trajetória marcada por transformações, podemos assim dizer. Em 2005, com o “CéU” a febre dos streaming ainda não era ardente, muito menos a do financiamento coletivo. Que diferença fazem essas plataformas na vida de um artista e como são tuas experiências com elas?
Céu: A loucura é que eu tive que aprender todas essas novidades, essas mudanças estavam acontecendo e eu tive que surfar todas essas ondas enormes, foi muito difícil. Eu me lembro quando participei da primeira conversa no Spotify (Spotify Talks, série de encontros e conversas com artistas), que foi feita pelo Alexandre Matias, e ele focou muito nesse assunto. Quando eu cheguei na indústria musical, ela estava nos seus piores momentos, foi quando deu um apagão. Em 2005, eu já peguei um final de gravadoras já quebrando, todas praticamente quebradas, e o início dessa nova vida que a internet fez. Então eu tive uma situação muito difícil. Então hoje, receber uma indicação ao Grammy, ter shows lotados, como o "Tropix", que está com todas as apresentações esgotadas, é muito importante e gratificante para mim, que fui bastante operária para conseguir me manter nesta loucura que foi os últimos dez anos.


CP: A Rosa Morena, tua filha, te acompanha acompanha em alguns vocais de “Varanda Suspensa” e também inspira a letra de “A Menina e o Monstro”. Como foi a educação dela para entender que a mãe é uma artista, que precisa viajar e fazer turnês?
Céu: Ela entende muito bem porque foi inserida neste universo desde que chegou ao mundo, então ela já viajou comigo para vários lugares e sabe como é a minha rotina. Claro que eu tenho muitas dificuldades, porque quando as as pessoas normais, como eu digo, as que trabalham com rotina, dias marcados, estão descansando, eu estarei provavelmente ocupada com alguma questão. Isso gera uma vida diferente pra ela, que às vezes se sente chateada, mas como ela entende como funciona esse universo e a minha vida e a do pai dela, a gente segue em frente. O importante é ela estar do meu lado, perto, com muito amor e carinho


CP: Em 2013, tu vieste a Porto Alegre com a turnê “Traga o seu Show”, que foi feita com financiamento coletivo. Que lembranças tu tens da cidade e o que tu esperas para a próxima apresentação aqui?
Céu: Eu tenho ótimas lembranças de Porto, eu gosto muito de tocar aí. Eu estou empolgadíssima para voltar, porque é sempre importante um show aí, é sempre grande, terra de vários artistas importantes. Nada passa despercebido, então vai ser muito divertido e eu tô animadíssima.


Por Eric Raupp

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