Cônsul americano: "EUA e Brasil têm parceria vibrante"

Cônsul americano: "EUA e Brasil têm parceria vibrante"

Luciamem Winck

Shane Christensen, Cônsul Geral dos EUA em Porto Alegre

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O novo cônsul-geral dos EUA em Porto Alegre, Shane Christensen, veio direto de Washington, onde exercia a função de Chefe de Gabinete do Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental. Ao longo da carreira como diplomata,  Christensen serviu anteriormente nas embaixadas dos EUA na Cidade do México, Havana e Cabul, nas missões do país nas Nações Unidas, em Nova Iorque, na Organização para Cooperação e  Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e no Consulado-Geral dos EUA em Dubai. Na conversa com o Correio do Povo, o cônsul fala sobre a chegada em meio à pandemia, eleições norte-americanas e também sobre a carreira de escritor.

Como o senhor está enfrentando os desafios de iniciar as atividades no Rio Grande do Sul em meio a uma pandemia e as restrições de viagens entre as nações?

Admito que tem sido um início bem diferente dos típicos, chegando neste momento tão difícil. Os EUA estão trabalhando lado a lado com o Brasil para combater a pandemia e estabelecer pilares para sua recuperação. Recentemente, por intermédio da Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional), doamos 690 kits de higiene para algumas das famílias mais vulneráveis em Porto Alegre e Novo Hamburgo. Empresas norte-americanas sediadas no Estado doaram pulverizadores para esterilizar ruas em 12 estados, mais de um milhão de máscaras a hospitais, polícia e bombeiros, equipamentos para testes que detectam o coronavírus e matéria-prima para a produção de milhares de EPIs. Buscamos colaborar com o governo gaúcho para aumentar a cooperação comercial nas áreas de indústria, agronegócio, tecnologia e inovação para reforçar a resiliência econômica e fortalecer os laços entre nossos países. Parte do desafio é descobrir qual a melhor forma de manter-se atuante e produtivo durante a pandemia.

Como está a relação entre os dois países? Em que pode avançar?

Os EUA e o Brasil compartilham uma parceria vibrante que se estende por dois séculos de interesses mútuos e valores compartilhados. Estamos dando passos importantes para fortalecer nossa parceria estratégica. Por exemplo, na semana retrasada, os dois governos estabeleceram instrumentos que devem intensificar o já sólido relacionamento comercial e econômico entre os países. Um deles, assinado entre o Export-Import Bank dos EUA (EXIM) e o Ministério da Economia do Brasil, prevê a aplicação de até um bilhão de dóláres (R$ 5,7 bilhões) para financiar oportunidades de desenvolvimento de negócios, principalmente nas áreas de telecomunicações, incluindo 5G, energia, incluindo nuclear, petróleo e gás, além de renováveis, infraestrutura, logística, mineração e manufatura. A Corporação Financeira dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Financeiro (DFC) assinou cartas de intenção para investimento adicional com um valor de 559 milhões de dólares, para além dos oito projetos ativos do DFC no Brasil totalizando mais de um bilhão de dólares.

Entre os anos de 2003 e 2004, o senhor atuou como diplomata em Cabul, no Afeganistão. Como foi essa experiência?

Eu era um jovem diplomata na época, trabalhando como assistente do embaixador. Uma coalizão internacional, liderada pelos EUA, tinha entrado no Afeganistão para terminar com o reinado de terror dos Talibãs e perseguir a Al Qaeda, que foi responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001. Foi um período desafiador e perigoso, mas eu senti um forte senso de propósito e ainda não tinha uma família para me preocupar.

Por muitos anos, o Brasil era o país em que o senhor sonhava trabalhar como diplomata. Com 20 anos de carreira, como recebeu a missão de chefiar a representação consular de Porto Alegre?

É verdade, eu quis morar no Brasil por muitos anos e finalmente consegui. Agora estou tendo a oportunidade de viver e trabalhar no Rio Grande do Sul, com sua cultura e história incrivelmente únicas. Os gaúchos que conheci até agora têm sido muito receptivos e fáceis de se conectar. Quanto a Porto Alegre, tenho passado a maior parte do tempo trabalhando de casa, do meu home office e só tive a chance de ver uma pequena parte desta cidade delineada por árvores. À medida que a pandemia recua, quero cada vez conhecer mais da cidade e dos seus habitantes.

Na década de 90, o consulado dos EUA encerrou as atividades em Porto Alegre. Depois de 21 anos, reabriu. Sua antecessora, Julia Harlan, deixou o cargo com mais de 130 mil vistos concedidos e buscou aproximação com os órgãos de segurança pública. O que o senhor pretende fazer?

Logo que cheguei aqui, eu disse que estava assumindo o consulado-geral dos EUA com três prioridades: estabelecer parcerias que contribuam para o combate da pandemia de Covid-19, impulsionar a cooperação comercial e a prosperidade econômica e aprofundar os laços entre cidadãos americanos e brasileiros. Esses continuam sendo os objetivos.

Sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos, que ocorrem esta semana, os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro são próximos. Pode ocorrer alguma mudança na relação entre os países se, porventura, Joe Biden vencer o pleito?

Eu não acredito que haverá mudança na base do nosso relacionamento, que é fundamentado em valores compartilhados entre as duas mais fortes democracias e economias do Hemisfério Ocidental. As nossas economias são interconectadas e uma vasta gama de brasileiros e americanos têm um forte desejo de aprofundar as nossas relações. Eu sirvo aos EUA e meu foco continuará sendo o desenvolvimento da relação entre o meu país e o sul do Brasil em benefício de ambos os povos.

Recentemente o senhor esteve em áreas periféricas de Porto Alegre realizando doações. A miséria presente em várias regiões da cidade o assusta?

É sempre difícil e duro aceitar a situação difícil das pessoas. O que eu vi quando fizemos as doações não foi tanto miséria, mas sim a humildade e gratidão por um simples ato de bondade. Várias mães trouxeram seus filhos para receber os kits. Me senti orgulhoso pelos EUA poderem ajudar algumas dessas famílias em necessidade. Foi uma das coisas mais significativas que fiz aqui desde a minha chegada e agradeço a disponibilidade dessas comunidades de nos receber.

O senhor projeta elaborar um plano estratégico para ampliar os laços entre os Estados Unidos e o Rio Grande do Sul, principalmente em termos comerciais e de investimentos bilaterais? O Rio Grande do Sul é um dos focos de interesse dos norte-americanos? Quais são as áreas de interesse? 

Com certeza o Rio Grande do Sul é um dos nossos focos. Como as duas maiores democracias e economias do hemisfério, Brasil e Estados Unidos trabalham juntos para enfrentar os desafios globais e regionais mais urgentes do século 21. Falando de economia, os Estados Unidos são o principal destino das exportações brasileiras de bens manufaturados de valor agregado e estamos atualmente buscando acordos comerciais e entendimentos que avancem nossa parceria comercial, reduzam barreiras ao comércio e facilitem o investimento. Parte disso já está avançando com os acordos assinados mencionados anteriormente. Apesar de recentes, tais acordos com certeza terão um impacto positivo também para as relações comerciais e investimentos americanos no Rio Grande do Sul.

Sua primeira visita ao Brasil aconteceu há 25 anos, quando o senhor ainda era escritor de livros voltados ao turismo. O que lhe chamou a atenção no país?

Os brasileiros que conheci ao longo da minha vida são gentis, generosos e divertidos, sem falar da beleza e da diversidade desse país. Essas são qualidades que me atraem. Eu gosto do foco que os brasileiros dão à família e aos amigos. Adoro o sorriso e as risadas fáceis aqui. O Brasil é um país que pode ensinar a todos nós sobre o que significa celebrar até as menores bênçãos que temos.

E sua carreira de escritor, foi aposentada ou continua a produzir obras? O que o escritor tem de semelhante com o diplomata? 

Gosto muito dessa pergunta, porque acredito que há muito em comum entre um escritor de viagens e um diplomata. Obviamente, os dois são apaixonados por aventura e por conhecer gente nova. Um diplomata, como um escritor de viagens, espera visitar países distantes do seu lar, experimentar novas culturas e aumentar sua compreensão acerca do mundo. Cada profissão requer a disponibilidade para abrir ainda mais a sua mente e apreciar o que faz pessoas de diversas culturas serem tão parecidas e tão únicas ao mesmo tempo. Ao explorar o desconhecido, descobrimos beleza. Quando nos conectamos aos outros, aprendemos mais sobre nós mesmos. Quando me aposentar, espero voltar a escrever sobre viagens.

Em poucas palavras, resuma Shane Christensen e quais seus sonhos para o futuro?

Estou totalmente focado nestes três anos aqui em Porto Alegre, o que sinto que será meu melhor trabalho como diplomata até agora. Espero liderar o excelente time do Consulado em busca de ainda melhores relações com o Sul do Brasil. Planejo estabelecer contatos e fazer amizade com diversos grupos de brasileiros para identificar oportunidades para parcerias. Mal posso esperar para viajar por todo Rio Grande do Sul e Santa Catarina e pelo resto do Brasil. Quero conhecer esse país maravilhoso pelos olhos dos meus filhos.


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