Contra o tabagismo

Contra o tabagismo

Jessica Hübler

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Mestre em Medicina e Ciências da Saúde, oncologista clínica e pesquisadora, Ana Gelatti atua como diretora clínica na Oncoclínicas Porto Alegre e como preceptora em Oncologia Torácica no Serviço de Oncologia do Hospital São Lucas da PUCRS, além de ser vice-presidente do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT). Em entrevista ao Correio do Povo, Ana fala sobre tabagismo, câncer de pulmão e os benefícios de curto e de longo prazo para quem para de fumar.

Qual a importância e quais as principais vantagens de parar de fumar?

Os fumantes têm risco de morte três vezes maior do que os não fumantes e o tabagismo persiste como a maior causa de morte evitável no mundo. Apesar de termos tido uma redução muito importante nos índices de tabagismo nos últimos 40 anos, o tabaco ainda é o fator de risco evitável mais importante. O tabagismo causa mais de 8 milhões de mortes por ano no mundo e mais de 156 mil óbitos por ano no Brasil, e não é só o fumo ativo, mas também o passivo, além da própria fumicultura. São vários malefícios relacionados, e há casos de mão de obra infantil, uso de pesticidas, o fumo aumenta tanto no tabagista ativo quanto no passivo o risco de mais de 50 doenças, com destaque para as cardiovasculares, respiratórias, dezenas de neoplasias e doenças neurológicas. E aqueles pacientes que são tabagistas passivos também têm maior risco de câncer de pulmão, de Acidente Vascular Cerebral (AVC), sintomas respiratórios, infecções, morte súbita, fora os malefícios socioeconômicos que estão relacionados ao custo para uma família ter um tabagista. As doenças crônicas não transmissíveis, para as quais o tabaco é o fator de risco evitável mais importante, são responsáveis por 74% das mortes no Brasil, com dados de 2016. Claro que existem outros fatores de risco, como uso de bebidas alcoólicas e não praticar atividade física, mas deixar de fumar também aumenta a autoestima, melhora o rendimento profissional e aí por diante.

Há estudos que indicam que, quanto mais cedo a pessoa parar de fumar, maior será sua expectativa de vida em ganho de anos. Por quê?

Existem alguns estudos, o CDC americano (sigla em inglês para Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) inclusive defende que, quanto mais cedo for cessado o tabagismo, maior o ganho de expectativa de vida em anos. Se parar de fumar entre 25 e 34 anos de idade, se ganha dez anos de vida. Se parar de fumar entre 45 e 54 anos, se ganha seis anos de vida, entre 55 e 64 anos, quatro anos de vida. Então, quanto antes pararmos de fumar, mais anos de vida ganhamos. Além disso, outros dados são bem importantes em relação aos ganhos com o ato de parar de fumar. Tem melhora na qualidade de doenças respiratórias crônicas, melhora a capacidade física para exercícios, reduz o risco de hospitalização, reduz em até 50% a perda anual da função pulmonar quando se para de fumar, entre outras vantagens. Em relação ao câncer de pulmão, especificamente, a gente reduz em 20% a taxa de mortalidade depois de 7 anos sem fumar. E agora que estamos vivendo uma pandemia, sabemos que os pacientes que são tabagistas têm um risco muito maior quando são infectados pela Covid-19.

Como podemos auxiliar no processo de parar de fumar?

O primeiro ponto é que a gente tem que encarar isso como algo complexo, no sentido de não julgar o familiar ou aquele paciente que tentou parar de fumar e não conseguiu, porque realmente não é um processo fácil, é um processo que demanda empenho do tabagista em querer deixar, mas também auxílio de uma equipe multidisciplinar que possa dar esse suporte. Então, acho que campanhas de prevenção, de combate ao tabagismo são muito bem-vindas, elas existem, mas acho que ainda precisamos trabalhar mais em cima dessa questão e, principalmente, no desenvolvimento de equipes multidisciplinares que sejam capacitadas na orientação dos pacientes e dos benefícios. Acredito que temos um dever educacional de chamar mais atenção para os benefícios que o paciente pode ter deixando de fumar, além de alertar sobre todos os malefícios.

Já são mais de 8 milhões de mortes por ano no mundo e mais de 156 mil óbitos por ano no Brasil relacionadas ao tabagismo. O que deve ser feito para reduzir estes números?

O Brasil é reconhecido internacionalmente pelas políticas antitabagismo. Tivemos uma redução muito importante na incidência de tabagismo nos últimos 40 anos. Na década de 80, 35% da população era tabagista e, agora, conforme os dados atuais, temos menos de 10% da população como tabagista. Isso está relacionado com a proibição do fumo em locais fechados, com as advertências, com as orientações nas escolas, mas ainda temos muito trabalho para ser feito, pois temos uma taxa de ex-tabagistas de 30% na população, então precisamos realmente trabalhar com esses dados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem um projeto muito interessante há alguns anos, que está relacionado ao dia 31 de maio, que é o Dia Mundial Sem Tabaco, e eles lançaram uma campanha em dezembro de 2020 que é voltada a parar de fumar durante a pandemia. Isso tendo em vista que tivemos um número grande de ex-tabagistas que voltaram a fumar e, também, sabendo dos riscos maiores dos pacientes tabagistas com relação à Covid-19. Então, a campanha se intitula “Comprometa-se a Parar de Fumar durante a Covid-19” e é um desafio da OMS no qual eles têm o intuito de ajudar 100 milhões de pessoas no processo de parar de fumar durante a pandemia. Acredito que nós precisamos, como sociedade, criar ambientes que sejam mais saudáveis, que ajudem no abandono do tabaco, que continuemos defendendo políticas que sejam fortes no fim do tabagismo e, principalmente, precisamos aumentar o acesso a serviços de orientação para parar de fumar, aumentar a conscientização. Essa é a única maneira que temos para reduzir esse número de óbitos, pois realmente o cigarro está relacionado a mais de 50 doenças crônicas e, por isso, esse número de vítimas fatais é tão elevado.

Quais os números de fumantes no Brasil e no Rio Grande do Sul? Por que o tabagismo segue tão presente na população?

Temos entre as políticas que o Brasil desenvolveu, desde 2006, estudos feitos pelo Vigitel - o Vigitel compõe o sistema de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) do Ministério da Saúde - por amostragem, são ligações telefônicas. Mais de 52 mil brasileiros têm sido avaliados anualmente e hoje temos uma taxa no país de tabagismo de 9,8% da população. As maiores taxas estão na cidade de São Paulo (13,5%) e em Porto Alegre (4,6%). Historicamente os homens fumam mais do que as mulheres. No Brasil essa diferença existe, é 12,3% de tabagismo entre os homens e 7,1% entre as mulheres. Mas em Porto Alegre não temos essa diferença. Ficamos com 15,2% entre os homens e 14,1% de tabagismo entre as mulheres. Existe o fator da nicotina e do tabagismo ainda estar ligado a um fator social. Depois que se cria esse vício não é fácil, não podemos desistir, mas sabemos que não é um processo simples deixar de fumar. E, fora isso, o que vem acontecendo é que, no lugar do cigarro comum, tem se desenvolvido uma série de outros tipos de tabagismo. Apesar dessa queda bem importante no percentual de tabagistas no Brasil, sabemos que a população jovem tem fumado mais e, principalmente, com o uso de outros dispositivos entre os adolescentes, como cigarros eletrônicos, narguilé. Então também é outro ponto para ser documentado, pois esses dispositivos têm, além de nicotina, várias outras substâncias que podem ser prejudiciais à saúde. Há um estudo divulgado pelo New York Times em dezembro de 2020 sobre o fato de 50 mortes terem sido relacionadas ao uso do cigarro eletrônico na cidade de Nova Iorque, então eles também são vilões e precisamos estar em alerta.

De que forma o tema pode ser abordado em núcleos familiares? Como levar essa informação para as novas gerações?

Acredito que essa educação precisa começar nas escolas. De alguma maneira precisamos estar mais presentes dentro das instituições de ensino levando essa orientação, principalmente sobre esses dispositivos citados anteriormente, como cigarros eletrônicos e narguilé, que é uma realidade muito presente nessa população mais jovem. Mostrar que eles também são nocivos e que a gente não está brincando, pois causam coisas sérias, abreviam a vida e trazem consequências crônicas.

Quais as formas de detecção, os sintomas e os principais dados que temos no RS sobre câncer de pulmão?

O câncer de pulmão, infelizmente, em 70% aproximadamente dos casos é diagnosticado como doença avançada, metastática, uma minoria dos casos, em torno de 10% a 15%, são diagnosticados em estágios precoces e que ainda são cirúrgicos. A maneira de diagnosticar o câncer de pulmão vai depender de um exame de imagem, uma tomografia e vai ser preciso fazer uma biópsia, retirar um pedaço dessa suspeita de tumor para que se possa analisar e identificar o tipo de célula. Isso pode ser feito por um exame chamado fibrobroncoscopia ou pode ser feita uma biópsia guiada por tomografia, que é externa e chega até o pulmão. Existem alguns métodos além desses que podemos lançar mão. Em relação aos sintomas, geralmente o paciente pode ter tosse, falta de ar, pode ter hemoptise (presença de sangue junto com a tosse), pode ter perda de peso, pode ter dor no peito e dor nas costas, esses são os sintomas mais frequentes. Fora isso, hoje existe indicação de fazer rastreamento para o câncer de pulmão. Aqueles pacientes que têm uma alta carga tabágica, entre 55 a 75 anos e que fumam uma carteira de cigarro há mais de 30 anos ou o equivalente a isso, têm indicação de fazer uma tomografia com baixa dose de radiação como rastreamento para o câncer de pulmão, assim como fazemos mamografia para o câncer de mama. Isso já está disponível para avaliação, mas, claro, precisa ter indicação médica, tem que ser um exame realizado em um centro onde os especialistas estejam habilitados para conduzir esse caso para que, se por acaso tiver algum nódulo ou algo suspeito, esse paciente seja acompanhado e conduzido da melhor forma.

Qual o impacto do tabagismo com relação ao câncer de pulmão? Quais os outros agravantes?

O cigarro, o tabagismo especificamente, é responsável por mais de 80% dos casos de câncer de pulmão de uma forma geral. O impacto do tabagismo no câncer de pulmão é enorme ainda. Temos câncer de pulmão em quem nunca fumou, em torno de 20% dos casos, mas a grande maioria é causada pelo tabagismo. Fora isso, existem outros fatores de risco como exposições ambientais, exposições ao asbesto e o próprio fumo passivo, que também podem ser fatores de risco para o câncer de pulmão.


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