Críticas à mudança da lei

Críticas à mudança da lei

O processo de elaboração do Código Ambiental nos anos 1990 no RS e os desafios enfrentados.

Christian Bueller

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Como foi o contexto de elaboração do Código Ambiental nos anos 1990? 

A legislação tinha cinco leis previstas na Constituição do Estado. Uma delas era para abranger todas, que era o Código Estadual do Meio Ambiente. Começamos, então, a pautar com os deputados estaduais a necessidade de elaborarmos estas leis previstas. Começamos muito bem, com o Código Florestal do RS, em 1991, aprovado por unanimidade e considerado o melhor do país. Como deu certo, acabei continuando a coordenar os demais trabalhos, que seria o Sistema Estadual de Proteção Ambiental que cria o Conselho Estadual do Meio Ambiente, a Lei de Gestão de Resíduos Sólidos e o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, além do principal deles, que seria o Código do Meio Ambiente. Esse era o mais difícil porque tinha que se conectar com as outras leis. 

Um dos pontos que chamaram a atenção foi o fato de não se tratar de um projeto proposto pelo governo da época, não é mesmo? 

Exatamente. Veio a partir da Comissão de Saúde de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, justamente para despartidarizar o tema. Isso foi aceito pelo Executivo, algo inédito no Brasil. Nós até podíamos nos reunir sem todos os segmentos, mas a deliberação só acontecia se todos os segmentos da sociedade estivessem presentes, as ONGs, a Farsul, a Fiergs, a Fecomércio, as universidades. Se uma entidade não estivesse junto, poderia até acontecer a reunião para ganhar tempo, mas não se deliberava. Houve uma construção conjunta durante todo o tempo. Eu coordenava a elaboração e, depois, tinha que acompanhar a votação e todo o processo de articulação desses projetos de lei. O Código Florestal passou a ser lei em janeiro de 1992. Naquele ano, começamos o Código Estadual do Meio Ambiente e o Sistema Estadual de Proteção Ambiental. 

Todo o processo foi consensual, portanto? 

Sim. Como se não bastasse, em junho de 1994, nós fizemos um seminário com a população para fechar o projeto de lei do Código Estadual do Meio Ambiente. Affonso Leme Machado, principal redator do projeto que resultou na lei que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, deu entrevista para o Correio do Povo, na época. Ele disse que nunca tinha visto na vida dele um texto legal ser tão minuciosamente debatido por um número tão grande de pessoas. Outros estados do país ligavam querendo o nosso Código. 

Qual era o diferencial da lei gaúcha em relação ao restante do Brasil? 

O Rio Grande do Sul deu um exemplo para o país em termos de texto e de construção de lei, que não era punitiva. As pessoas têm um preconceito achando que lei de meio ambiente pune. Não. Foi uma legislação que estimulava as boas práticas ambientais, não só com dinheiro e subsídio, mas com fomento em todas as áreas. Todos os capítulos do Código previam estímulos e incentivos, preparando o Estado para o desenvolvimento sustentável. 

Passados todos esses anos, no que o Código Ambiental se tornou? 

Infelizmente, há dois anos, ele foi, em um mês, rasgado. Estamos perdendo uma grande oportunidade, com isso, de colocar o Estado no século 21, porque é uma época que exige sustentabilidade. Quem não é sustentável não vai entrar no século 21. O Rio Grande do Sul tinha uma grande chance de implantar legislação ambiental, criada pelos próprios gaúchos, mas foi rasgado sem diálogo. 

Um dos principais pontos de polêmica na reformulação do Código Ambiental no RS foi a inclusão do autolicenciamento, no qual o próprio responsável pelo empreendimento insere os dados e informações e a análise é feita de forma on-line e automática, para dar mais celeridade ao processo. Qual a sua opinião? 

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou o autolicenciamento. É a mesma coisa que você ter a intenção de dirigir um carro e se autolicenciar, você mesmo imprimir a carteira de habilitação para dirigir. O autolicenciamento elimina um dos principais valores do direito ambiental e da proteção do meio ambiente, que é o princípio da prevenção. Não adianta dizer que vai haver a fiscalização depois. Neste caso, o dano já ocorreu e não há prevenção. Além disso, todos sabem que não há fiscalização suficiente. Então, isso é uma falácia inadmissível. 

Que outros pontos deste novo Código Ambiental justificam a sua frase sobre ‘rasgar a legislação’? 

Principalmente não haver diálogo. No momento em que fizemos uma construção acreditando no consenso, tanto é que as leis foram aprovadas por unanimidade. Diálogo leva tempo, por que rasgar em um mês? Por que fazer em regime de urgência um projeto de lei de alteração de algo que é mais técnico, científico? Em nome de quem? Se é para enriquecer e desenvolver, o Rio Grande do Sul está mais rico hoje em dia, arrecadando mais? Onde a legislação ambiental atrapalhava? Pelo contrário. O mundo mostra que não se consegue retorno econômico sem cuidado com o meio ambiente. Pode ter a curto prazo, mas haverá problemas sérios a longo prazo. Terminaram também com o plano de manejo das propriedades, foi retirado, somente na reserva legal. O capítulo inteiro de estímulos e incentivos às práticas ecologicamente corretas, para energias renováveis, menos uso de água e aproveitamento da água da chuva foi suprimido. Foi uma aposta de que o meio ambiente não interessa. 

O argumento de muitos empresários é que a demora na emissão dos licenciamentos ambientais entrava os negócios e o desenvolvimento. Como o senhor se posiciona? 

O licenciamento ambiental garante segurança, e não só a jurídica, ao empreendimento, ou seja, é importante para o próprio empreendedor. Cuidar da mata e da flora é cuidar do ser humano. O estudo prévio de impacto ambiental é a favor ao empreendimento, não contra. 

E o que é possível fazer para obtermos esse tão desejado equilíbrio? 

Por sorte, estamos conseguindo “segurar” alguma coisa em nível federal. Muito do que se tentou terminar em nível nacional, conseguimos reverter no STF. Quem é que ganha com o extermínio do meio ambiente? Precisamos de mais campanhas educativas para sensibilizar as futuras gerações. O cenário é preocupante, não é positivo. Não é cuidar do planeta, mas da tua querência, tua rua, teu terreno. A ganância torna as pessoas burras. E é triste. A ciência está dizendo que não há mais tempo, tudo é urgente. Proteger o ambiente não é não fazer, mas fazer com equilíbrio. Isso é possível e a única maneira de as coisas darem certo. Não é preservação pura e simples. É equilíbrio. 


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