Kaanda Gontijo: Corpo e alma em movimento

Kaanda Gontijo: Corpo e alma em movimento

Felipe Faleiro

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Natural de Pirapora (MG) e casada com um gaúcho, Kaanda Gontijo, 34 anos, mora há cinco anos em San Diego, EUA. Kaanda, que já viveu em Porto Alegre, se resume como “um alguém que vive, estuda, ama e orienta processos de cura através do movimento”. Especialista em saúde postural, seu currículo é hoje tão extenso quanto variado: bailarina clássica, fisioterapeuta, especialista no estudo do movimento (Cinesiologia), mestre e doutora em Ciências do Movimento Humano, escritora e educadora em Saúde, Postura e Movimento e terapeuta postural com formações no Brasil, França e Estados Unidos. Recentemente, ela lançou o livro “Terapia Postural”, que fala, em linguagem simples, sobre a busca pelo autoconhecimento por meio das práticas do movimento.

 
Como foi sua decisão de se mudar para os Estados Unidos? O que foi levado em consideração? Como está o mercado de sua área nos EUA e como o observa no Brasil?
 
A decisão veio quando, em um processo terapêutico, me dei conta que para realizar meu maior sonho, de ser a mãe que eu desejava ser para os meus filhos e ser profissional que almejava ser para o mundo a minha volta, seria melhor pra mim ir embora do Brasil. Os EUA vieram por opção do meu marido, que já havia morado na Califórnia 11 anos antes de nos mudarmos e que sempre sonhou em voltar para cá em definitivo. Sonho com sonho alinhados, um mês após a defesa do meu Doutorado na UFRGS em parceria com a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil vendemos tudo (inclusive a minha clínica e studio de Pilates) e pousamos no aeroporto de Los Angeles de mala e cuia, em 2017. O que mais pesou nessa decisão pra mim foi a insegurança e medo que eu vivia no Brasil. A vida estava estável, eu vivia como uma clássica workaholic, com lista de espera de pacientes, tinha propostas de crescimento surgindo, perto dos meus pais e amigos, mas não me via nesse contexto criando meus filhos, que era o que mais me preparei na vida para realizar, com a mesma dedicação que dei à minha carreira artística e acadêmica. Chegando aqui, vi uma realidade profissional bem pior do que a do Brasil para os fisioterapeutas. Os planos de saúde aqui ditam as regras do que se faz ou não na área e a linha que eles seguem é a clássica medicina ocidental, que eu chamo de fast food por cenários como esse: a dor é no ombro, trata o ombro, faz algumas sessões de quiropraxia para o alívio ser mais rápido ainda e era isso. Daqui a um mês, quando a dor voltar, faz tudo de novo e vive a vida assim. Para uma profissional autônoma desde a formatura, em 2009, que jamais trabalhou para convênios de saúde e que acredita e aplica a visão integrativa, se ver forçada a se adequar a este sistema foi tão decepcionante quanto encorajador. Não me adequei e, dois anos de Califórnia depois, fui reconhecida pelo governo americano em um processo de imigração como uma profissional de habilidades extraordinárias, sendo a única representante oficial do Método de Cadeias Musculares e Articulares G.D.S. (França) vivendo e atuando nos EUA. Ainda em paralelo a esse processo, fundei em 2020, durante a pandemia, a IPATS - primeira Escola de Postura Internacional do mundo - aqui em San Diego, Califórnia, onde virtualmente dou cursos, workshops, oficinas e aulas teóricas e práticas sobre Educação Postural para profissionais, estudantes e curiosos da postura espalhados por mais de nove países. O público que atendo atualmente, tanto presencialmente quanto virtualmente, não difere do que eu atendia antes de me mudar. A grande valia agora é que posso chegar mais longe, visto que a Terapia Postural que proponho traz processos de cura através do movimento corporal e do autoconhecimento, plenamente trabalháveis via chamadas de vídeo. O que faz um profissional de saúde integrativa? O que a levou a atuar nesta área?
Fazendo um paralelo com o exemplo que dei anteriormente do tratamento da dor no ombro via medicina fast food, o mesmo problema seria encarado por mim da seguinte maneira: se a dor é no ombro, dependendo de qual lado é, o primeiro passo é avaliar e tratar o quadril oposto, os tornozelos, a cervical e muitas vezes nem tratar diretamente aquele ombro nas primeiras sessões e, ainda, considerar a inclusão de sessões psicoterapêuticas dependendo de cada caso, afinal, sim, lesões e dores nos ombros, principalmente no direito, comumente são relacionadas a lesões emocionais. São os famosos casos das dores e lesões psicossomáticas. O soma (corpo) é a vítima e está sofrendo as consequências dos desequilíbrios e conflitos psicológicos, logo, qualquer abordagem terapêutica, qualquer mesmo, aplicada apenas no corpo, sem levar em consideração aspectos da mente, das emoções e do espírito daquele ser, não estarão auxiliando no tratamento da causa de todo o quadro, podendo assim melhorar momentaneamente a situação mas não a longo prazo. Decidi investir meus estudos na saúde integrativa porque, como bailarina profissional, que acumula mais de dez lesões físicas e emocionais ao longo da vida, vivi na pele desde os 9 anos de idade as dificuldades de encarar tratamentos cartesianos que não me curavam e ainda atrapalhavam meu desempenho naquilo que eu mais amava, dançar, especificamente, ballet clássico. Desde muito cedo, portanto, essa visão não fazia o menor sentido pra mim. Logo, quando decidi, aos 12 anos, ser fisioterapeuta, já queria ser uma profissional diferenciada, a qual, no mínimo, ia emocionalmente dar o suporte que cada paciente precisaria para seguir fazendo aquilo que ama sem se lesionar. Pra isso, entender o mecanismo de cada atividade e os diversos mecanismos de lesão era essencial para que eu pudesse ensinar aquele paciente a adaptar as técnicas ao seu corpo, e não o contrário. Respeitar a individualidade fisiológica de cada paciente é o princípio mais lindo e importante que a área Biomecânica e Fisiológica me trouxeram. E foi por isso que toda a minha carreira acadêmica foi construída com base no estudo aprofundado do movimento humano. As terapias integrativas podem ser realizadas por qualquer pessoa, ou há limitações? Aliás, a quem se recomenda recorrer às terapias integrativas?
Se você é um ser humano, movido pelo seu corpo, pelos seus desejos, sonhos e energia, a terapia integrativa é pra você. Ela vai levar sempre em consideração todos os aspectos que influenciam na qualidade de vida de um ser para devolver a este mesmo ser o equilíbrio e a harmonia de uma vida com saúde integral, ou seja, saúde corporal, mental, emocional e espiritual. O que é a Terapia Postural? Ela é recomendada a quais enfermidades ou condições de saúde?
Terapia Postural é onde corpo, mente, emoções e espírito são tratados de forma integrativa. Nesse tipo de abordagem terapêutica, os processos de cura são guiados por meio da escuta corporal, da reconexão mental, do auto-encontro emocional e do autoconhecimento espiritual - tudo isso via corpo, que é a vitrine, o acesso, a porta de entrada de cada ser, e através do movimento. Ela é recomendada a toda e qualquer pessoa, com ou sem dores e lesões, ou seja, para prevenção ou reabilitação, visto que os profissionais capacitados a utilizá-la como ferramenta terapêutica seguem fielmente aquela regra mencionada anteriormente do “adaptar a técnica ao corpo - e não o contrário”. É dito que as terapias integrativas unem quatro aspectos da saúde: corporal, emocional, mental e espiritual. Como elas são trabalhadas, e até que ponto elas podem substituir, ou complementar, tratamentos da Medicina convencional?
As formas de trabalho são diversas, mas os objetivos de cada setor que compõe uma boa saúde integral podem ser visualizados da seguinte maneira: Escuta corporal (literalmente, aprender a ouvir o próprio corpo); Reconexão mental (aprender a reconectar os diversos pensamentos para uma leitura cognitiva mais clara dos mesmos e dos conflitos que eles podem estar gerando internamente - os quais refletirão no corpo/vitrine); Autoencontro emocional (aprender a reconhecer e acolher as próprias emoções, para que, quando surgirem, elas não causem estragos internos e externos difíceis de administrar); e Autoconhecimento espiritual (aprender a reconhecer a energia que move nossa rotina, nossa vida, nossas metas e sonhos, para assim compreender se estamos em curto-circuito, baixa energética, produzindo e perdendo energia demais e assim por diante). Todo esse raciocínio não exclui as formas de trabalho e técnicas comuns da Medicina Ocidental. Ele, na verdade, é capaz de reorganizar quando e em qual lugar do corpo e da mente (por exemplo), agir primeiro ao se iniciar um tratamento. A meta do olhar integrativo sobre a saúde é agir primeiro na causa e depois (se ainda for preciso) nas consequências.
  Na sua visão, esta preocupação crescente das pessoas com o bem-estar pode ser uma catalisadora do crescimento das terapias integrativas? A ansiedade e o estresse do dia a dia têm sido fatores que levam as pessoas em geral a procurarem estas alternativas?
Sem a menor dúvida! Sinto cada vez mais que as pessoas estão se conscientizando de que sim, é muito melhor (e mais econômico) prevenir do que remediar. Ansiedade e estresse são os fatores mais comuns hoje em dia na nossa sociedade, e ambos são extremamente venenosos para todo o nosso sistema. Graças a diversos estudos, de diferentes áreas, sobre o impacto de ambos na nossa saúde física, mental, emocional e até mesmo espiritual, o número de pessoas que buscam entender e tratar a verdadeira causa dos seus problemas vem crescendo cada vez mais.
  Você tem um grande acervo de aulas virtuais teóricas e práticas sobre a área postural. Como as novas tecnologias podem auxiliar neste trabalho de expansão do conhecimento sobre saúde integrativa?
Sim! São mais de 100 horas gravadas de aulas teóricas e práticas sobre Postura, lesões, dores, Pilates Postural, Terapia Postural e assim vai! A grande maioria delas gravadas ao longo da pandemia, quando surgiram os programas de transmissão ao vivo para um grande número de pessoas ao mesmo tempo. Essas novas tecnologias, sem dúvidas, vieram para reaproximar muitas pessoas, mesmo sem sair de casa, mas, mais que isso, a meu ver elas vieram para reaproximar as pessoas delas mesmas, pois a única saída que nos restou foi “ir para dentro” (das nossas casas, das nossas famílias e de nós mesmos).
Conte um pouco dos conceitos abordados em seu livro “Terapia Postural”. Do que se trata a obra? Como ter acesso a ela?
O livro tem como objetivo principal deixar registrado o nascimento dessa nova área de atuação terapêutica, a Terapia Postural. Portanto, tudo o que falei até aqui (e mais um pouco!) é encontrado nessa minha primeira obra literária, mas de forma mais aprofundada e conservando fielmente uma linguagem simples para que temas complexos até mesmo para profissionais atuantes na área da saúde possam ser compreendidos por qualquer pessoa que venha a lê-lo. Conduzo o leitor e a leitora a se autoquestionarem ao longo das páginas, a observarem situações e analogias que descrevo, a experimentarem propostas posturais em si próprios e a pensarem junto comigo no intuito de fazê-los sentir o que desejo passar de conhecimentos que gerarão autoconhecimento para cada um deles. E tudo isso porque acredito que quando sentimos algo, aí sim é que a coisa toda começa a fazer mais sentido! O formato dele é digital, podendo ser lido em qualquer lugar, a qualquer hora e em qualquer dispositivo eletrônico. Tanto a amostra quanto o livro completo podem ser adquiridos pelo site: www.ipats.online/livro.

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