Os desafios do setor de Transportes em 2021: "É preciso redução da tarifa para incentivar o uso"

Os desafios do setor de Transportes em 2021: "É preciso redução da tarifa para incentivar o uso"

Especialistas analisam como superar no próximo ano as dificuldades nas áreas mais atingidas pela pandemia em 2020

Christian Silva

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Um ano de readequações em todos os âmbitos da vida de todas as pessoas com a pandemia. Muitos precisaram ficar em casa, o que diminuiu o fluxo no trânsito e nas estradas. O doutor em Transportes e coordenador da Comissão de Transportes da Sociedade de Engenharia do RS, João Fortini Albano, falou com a reportagem do Correio do Povo sobre esta nova realidade e suas projeções para o próximo ano.

Tendo em vista a pandemia, os novos prefeitos, eleitos em 2020, terão bastante trabalho na área do transporte coletivo. Se por um lado, houve perda de passageiros em quarentena, ao mesmo tempo, ainda se detectam aglomerações nas paradas e dentro dos ônibus. Quais os principais desafios das novas administrações, em Porto Alegre e região metropolitana?

Todo planejamento e todas as decisões tomadas pelos novos gestores devem passar obrigatoriamente pela evolução da Covid-19. É o primeiro passo. Como esta pandemia vai evoluir, não temos muito conhecimento. Mas vimos uma série de alterações nos hábitos das pessoas. A continuidade do home office, como será? Observamos um intenso uso de motocicletas lotando as vias públicas. A maior causa da situação precária dos operadores é a redução da demanda. No caso de Porto Alegre, temos a Carris, que não está falindo, mas que provoca prejuízos que precisam ser cobertos pelo Executivo Municipal. Temos uma particularidade na Capital: todos os recursos que financiam o sistema de transporte coletivo por ônibus vêm da tarifa. Como a demanda diminui o preço fica mais alto. Temos que cortar este processo.

Como isto poderia ser feito?

Reduzir a tarifa buscando outros meios de financiamento. É preciso buscar esta redução para incentivar o uso da modalidade. Existem outras ações que deveriam ser desencadeadas. Em Porto Alegre, devemos alterar a legislação do sistema para que tenha mais flexibilidade. Estudar a redução das gratuidades e algumas possibilidades de isenções fiscais para que se possa obter as melhorias necessárias. O usuário observa, ainda, o tempo de deslocamento. Quanto menor o tempo, mais atrativo. Além disso, se busca mais conforto e segurança (roubos, assaltos, arrastões) que também influenciam na escolha pela modalidade.

Como o senhor avalia o pacote da mobilidade proposto pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior?

Demos uma boa estudada e avaliamos como bom. Na verdade, todas as medidas tomadas para a melhoria do transporte coletivo nas cidades são polêmicas porque acabam afetando sempre algum usuário. Alguns vão ganhar, outros vão perder. Por exemplo: se pretende diminuir a tarifa do ônibus, o que vai beneficiar quem o usa. Mas prejudica quem utiliza o transporte individual por automóvel. As medidas tiveram repercussão negativa. Eu estive em uma audiência pública na Câmara Municipal e percebi que os vereadores faziam críticas ao prefeito e pouco se falou no pacote. Realmente, o pedágio urbano no Centro é muito discutível e pode afetar o comércio naquela área. Por outro lado, já funcionou em outras cidades, como Londres, Estocolmo, Singapura. Mas a população tem que participar da discussão.

O senhor sugeriu uma alternativa para este pedágio urbano na ocasião, não é?

Uma ideia que dei – e, ninguém se opôs ou ficou a favor – foi implementar esse pedágio de forma provisória, por seis meses ou um ano, e avaliar, se a população aprovaria ou não. Outra medida do pacote, que é a taxação de aplicativos, me parece justa e razoável. Temos 25 mil veículos deste sistema que circulam na Capital sem nenhuma identificação e regulamentação, fazendo uma concorrência predatória entre si. Os motoristas não fazem exames toxicológicos. E os aplicativos tiram passageiros dos ônibus, das lotações e táxis.

O que o senhor acha do uso das bicicletas como alternativas para desafogar o trânsito?

Elas já estão consolidadas. É uma cultura que importamos da Europa e, cada vez mais, circulam bicicletas. E não a passeio, mas como modalidade de transporte. Ciclistas de mochila se deslocando para o trabalho. Em Porto Alegre, há um plano diretor cicloviário com 500 quilômetros de vias, estudadas e viáveis à implementação de ciclovias. Os futuros gestores têm que perseguir este plano para incentivar os atuais e os ciclistas em potencial. O que é deficiente na cidade é a ausência de bicicletários e paraciclos, locais, públicos e privados, para estacionamentos das bicicletas, que são muito vulneráveis ao roubo. Estando em lugares seguros enquanto o usuário trabalha, isso também seria um incentivo.

Acredita ser possível a ampliação de mais linhas da Trensurb para outras cidades?

O metrô é o melhor transporte de massa que se tem. Não provoca poluição, não interfere no tráfego da superfície. O grande problema é que esbarra no custo. Havia uma época em Porto Alegre que havia condições de implementar um metrô. Ficou naquela discussão metrô X BRT (do inglês “Bus Rapid Transit”, um sistema rápido por ônibus) e adquiriu cores partidárias e, infelizmente, não temos mais nenhuma linha de metrô e nem o BRT. Lastimo não podermos ter mais dessa modalidade. Teremos que investir no BRT e seus corredores já prontos e reformados para que possamos ter o benefício desse investimento executado. Nós temos, na cidade, ônibus tradicionais circulando em corredores exclusivos, modificados e ampliados, com a finalidade de acolher o BRT.

E quanto às rodovias, temos duplicações vindo por aí. O que o senhor espera para o próximo ano?

As obras da BR-116 estão andando, tivemos também um pedacinho da Ponte do Guaíba, na BR-290, que foi dada a passagem. Mas existem dois nós aqui no Estado que precisam ser encaminhados mais rapidamente. A primeira, a necessidade de conclusão da RS-118. A duplicação de Viamão a Gravataí não tem muito sentido hoje em dia. Agora, de Gravataí até Sapucaia, é absolutamente importante, uma transversal da região metropolitana. Como se fosse uma perimetral. Outro trecho é aquele que vai desde a ponte sobre o Rio dos Sinos até a interseção com a Vila Scharlau. Fico admirado que as lideranças locais se manifestem tão pouco sobre isso.

E há obras de infraestrutura importantes em Porto Alegre a serem destacadas?

Sim, gostaria de valorizar duas. Uma é a trincheira da avenida Plínio Brasil Milano com a 3ª Perimetral. Uma obra da Copa de 2014 que a prefeitura perdeu os recursos. A outra é a retificação do traçado e a duplicação da estrada chamada Caminho do Meio, na verdade, uma continuação da avenida Protásio Alves que se desenvolve até Viamão.

Qual a sua opinião sobre o porto em Arroio do Sal, no Litoral Norte?

Um porto naquela região seria importante para escoamento dos produtos industrializados na região da Serra, Caxias do Sul, Bento Gonçalves e adjacências, que teriam um acesso menor ao porto marítimo do que até Rio Grande. Alguns produtos vindos da região de Bom Jesus e Vacaria teriam alguma vantagem. Mas o Estado já colocou muitos cofres de dinheiro para melhorias e ampliação do Porto de Rio Grande. Não vi nenhum estudo que faça uma conclusão definitiva sobre as conveniências desse porto. Esta questão está em aberto.

O que fica de lição desta pandemia que possamos levar para o próximo ano?

Foram muitas lições que devemos prestar bastante atenção. A principal delas é estabelecer um planejamento integrado com o desenvolvimento urbano e com os segmentos agrícola e industrial para um crescimento do RS com os menores danos possíveis. A pandemia diminuiu os fluxos de transportes, menos passageiros e veículos no transporte municipal, intermunicipal e interestadual. Acompanhar a crise e adaptar as ações governamentais à medida que as coisas ficarem mais concretas, com técnicas avançadas e pessoal com formação de alto nível.


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