Políticas econômicas devem considerar direitos humanos, diz perito da ONU
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Sua missão seria a de avaliar o impacto das medidas de austeridade em programas sociais, incluindo educação e saúde. O governo explicou no início de março o motivo para a mudança de planos. Em um discurso, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, insistiu que "a visita teve de ser adiada, não cancelada". "O Brasil tem muito a mostrar e nada a esconder", garantiu.
No governo, a justificativa era de que a viagem foi suspensa por conta da saída da ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, demitida pelo presidente Michel Temer. Em função da "transição" no ministério, a viagem teria sido adiada.
Mas a suspeita na ONU é de que a visita era vista como obstáculo para a reforma da Previdência e em um momento de debate político sobre eventuais candidaturas para as eleições no segundo semestre. Também na ONU, o Brasil não votou a favor da manutenção de seu mandato. Em sua primeira entrevista depois da suspensão de sua viagem, Bohoslavsky faz suas considerações sobre a necessidade de equilibrar políticas fiscais e medidas de proteção aos direitos humanos.
Eis os principais trechos da entrevista:
Sua viagem ao Brasil foi suspensa. O sr. já recebeu uma nova data?
Como você sabe, todos os procedimentos especiais (da ONU), como o meu, precisam realizar duas viagens oficiais aos países a cada ano. As datas são acordadas com o governo. No caso do Brasil, essas datas de março de 2018 foram fixadas em agosto de 2017, com o governo. A visita oficial foi adiada no fim de fevereiro de 2018, quando eu fui informado que, diante das mudanças no Ministério da Justiça, não era mais possível realizar a visita oficial. Eu entendo que o governo irá propor novas datas. Mas até o dia 13 de abril eu não as recebi. Ainda estou esperançoso de que as novas datas sejam confirmadas nas próximas semanas.
O Brasil votou contra o mandato do sr. Isso é algo que o preocupa?
Eu espero que países que não apoiam o meu mandato entendam, mais cedo ou mais tarde, que promover os direitos humanos para lidar com assuntos financeiros é do interesse da paz mundial, da igualdade e de um crescimento inclusivo.
De uma forma geral, qual a conclusão que o sr. tira sobre medidas de austeridade?
Políticas de austeridade tem caminhado, infelizmente, junto com um processo que mina os direitos humanos. Por exemplo, cortes orçamentários em vários países afetaram os direitos à educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho, previdência, água e saneamento, assim como direitos políticos e civis, tais como acesso à Justiça, direito de participação, liberdade de expressão e associação. Elas também têm resultado em uma deterioração nas condições de detenção e de prisões. O direito à vida e integridade pessoal não foram poupados.
Crises econômicas são aprofundadas por políticas de austeridade e aumentaram os índices de suicídio em alguns países. Elas resultaram ainda na exclusão de pessoas de serviços de saúde pública e enfraqueceram esses sistemas ao ponto de que passaram a não ser equipados para responder a epidemias. Mas a Comissão Europeia argumenta que, apesar do caso da crise de 2012, a estratégia de reformas e austeridade funcionou. O sr. concorda?
Como eu expliquei no informe de minha missão para a UE no ano passado, a consolidação fiscal e políticas de reforma estrutural implementadas em vários países da região europeia na prática aprofundaram a recessão econômica e aumentaram o desemprego e pobreza. Cortes drásticos aos gastos públicos sobre proteção social, saúde e educação colocam dúvidas se um governo está dando prioridade suficiente à proteção de grupos vulneráveis do impacto da crise.
Mas se o corte de gastos sociais não é a solução, como fazer para garantir um estado com responsabilidade social?
Bem, garantir a estabilidade financeira e controlar a dívida pública são tarefas importantes. Nem todos os esforços para reduzir gastos públicos são danosos aos direitos humanos. Olhe para a experiência da Islândia. Melhorar o acesso aos remédios essenciais por meio de uma melhor administração de medicações no sistema público e substituir produtos caros por produtos genéricos, da mesma qualidade e mais baratos, pode aumentar o acesso e fortalecer o direito à saúde.
Cortar gastos militares desnecessários em hardware pode também liberar muitos recursos para investimentos em direitos humanos. Além disso, reformas de previdências que incentivem o trabalho em tempo parcial de aposentados e o aumento da idade de aposentadoria dependendo da categoria de emprego, escolha individual ou saúde pessoal podem ser caminhos para garantir a sustentabilidade de sistemas de pensão. E para garantir que o direito à segurança social para as gerações atuais e futuras durante um ciclo de vida mais longo.
A questão é que o respeito aos direitos humanos e um crescimento econômico inclusivo não são necessariamente opostos. Mas podem se reforçar mutuamente. Crescimento econômico e desenvolvimento são essenciais para o desenvolvimento humano e para a realização dos direitos humanos, como na geração de empregos, oportunidades de renda, assim como investimentos em infraestrutura social e econômica. É por isso que padrões de direitos humanos precisam ser considerados ao se decidir sobre escolhas de política econômica.
Fonte: AFP